Lapeano de nascimento, Anfrísio Siqueira mudou-se para Curitiba em 1926. Ocupou vários cargos no governo estadual, mas sua atuação mais marcante para Curitiba foi quando ele e alguns amigos tiveram a iniciativa de criar uma confraria. Assim nasceu, em 1956, a Confraria da Boca Maldita. Entrevista gravada em setembro de 1998.
José Wille – Vamos começar falando da Lapa, onde o senhor nasceu, em 1920, e dos seus pais.
Anfrísio Siqueira – Na Lapa, onde nasci, fiquei até os seis anos de idade. Fui criado – naquela época, não existia farinha de trigo – com broa de milho e broa de centeio com banha na fazenda. De lá, tenho as maiores recordações da minha vida. Meu pai era de lá, a família Siqueira é muito grande na Lapa e tem muito prestígio, sou muito benquisto lá.
José Wille – Seu pai comprava e vendia gado?
Anfrísio Siqueira – Vendia lá, mas ele comprava gado no Rio Grande do Sul e no Mato Grosso, trazia-o para Curitiba, levava-o para a Lapa, para Castro e depois para Sorocaba.
José Wille – É uma família antiga, que tem passagem pelo Cerco da Lapa.
Anfrísio Siqueira – Os que invadiram a Lapa, depois daquele célebre Cerco, degolaram uma porção de lapeanos, inclusive da minha família. Dos meus antecessores, três foram degolados e estão lá no Panteão seus restos mortais.
José Wille – E a sua infância na Lapa?
Anfrísio Siqueira – Naquela época, a Lapa tinha muito movimento, era impressionante. E eu, quando guri, andava muito a cavalo e, com 7, 8 anos de idade, participei de corrida de cavalo na Lapa. A vida era mais saudável na época, todo mundo era amigo de todo mundo, um povo pacato, ordeiro. Ninguém ia preso, não tinha delegado, não tinha briga, nada… Hoje em dia, modernizou-se: casas muito bonitas, uma cidade muito moderna, só o centro ali que é histórico. A Lapa hoje está muito bonita. Mas foi uma infância buscando no mato gabirova, caçando passarinho no campo… Eu aproveitei bastante…
José Wille – Aos 6 anos, sua família se mudou para Curitiba.
Anfrísio Siqueira – Eu estudei no Grupo Xavier da Silva, e depois fui para a Escola da Professora Carola, que era ali na rua André de Barros, onde fiz a admissão no Ginásio Paranaense. Fiz curso de Perito Contador e depois fiz vestibular para Direito, para passar a delegado de polícia, porque só estudante de Direito ou bacharel podia ser delegado. Depois, ainda, fiz a Faculdade de Economia.
José Wille – Como era a Curitiba da década de 30?
Anfrísio Siqueira – Curitiba era uma cidade tranquila. Ia para Santa Felicidade de bicicleta, não tinha esse movimento de automóvel, não tinha nada. A gente conhecia o carro das pessoas pelo número – por exemplo, o carro do Ivan do Amaral, o número era 144…
José Wille – Mais comuns eram a carroça e o bonde?
Anfrísio Siqueira – Sim, carroça e bonde. A gente fazia uma brincadeira quando o bonde descia a rua 24 de Maio e ia entrar na rua 7 de Setembro, eu, o Ivan, o Osvaldo Martins. Era uma turma que punha graxa no trilho, em uma descida. O motorista queria frear, mas o bonde ia até a rua Westphalen. Era nossa brincadeira, sem maldade nenhuma… Naquela época, ninguém fumava, ninguém bebia, ninguém fazia nada… Hoje em dia, está uma calamidade isso aí.
José Wille – O que seria mais tarde “A Boca Maldita” já era um ponto de encontro? Como era esse pequeno centro de Curitiba?
Anfrísio Siqueira – A “Boca Maldita” era um ponto de encontro de um grupo heterogêneo, mas homogêneo nas suas atribuições, nos seus pensamentos. Todos tinham, praticamente, a mesma ideia e nos uníamos sempre, todas as noites, até as duas, três horas da madrugada, conversando. Eu tinha uma moto grande, de 750cc, e, à noite, atravessava a Galeria Tijuca a 120 km por hora. À noite, não tinha ninguém ali. Era eu, o Celso 165 – como era chamado – e uma turma que atravessava a Galeria Tijuca de carro ou de moto.
José Wille – Aos 18 anos, o senhor virou prefeito de São José do Triunfo, a convite de Manoel Ribas. Como aconteceu este convite?
Anfrísio Siqueira – Eu era amigo do Eliakim Araújo, chefe do Gabinete do Manoel Ribas. Estava no Rio de Janeiro, passando férias, sentado no calçadão, em Copacabana. E o Eliakim Araújo veio conversar comigo e, junto com ele, estava o Manoel Ribas, que estava de terno e chapéu – e lá no Rio de Janeiro quase ninguém andava assim na praia. Ele me perguntou de onde eu era e, quando disse que era da Lapa, perguntou “E quem é teu pai?” –“Adélio Siqueira.” – “Puxa, seu pai foi meu melhor amigo, foi quem me deu o primeiro emprego”, e fez os maiores elogios ao meu pai. Perguntou, então, o que eu fazia e se voltaria a Curitiba. Eu voltaria dali a dois dias, de trem, do Rio de Janeiro a Curitiba – imagine, de trem! – “Então, quando chegar, você procure o dr. Oscar Borges de Macedo”. Quando cheguei, ele me disse ”Você vai para São João do Triunfo. Vai ser prefeito lá”. Eu nem sabia que existia São João do Triunfo. E quase caí de costas, pois nem sabia o que fazia um prefeito nem o que era prefeito, aos 18 anos. Mas ele me disse ”Só quero que seja honesto”. A psicose dele era honestidade, tanto que o apelido dele era Maneco Facão, porque o “cabra” que roubava, ele cortava na hora. Ele me disse para procurar o dr. Oscar Borges, que já estava com o decreto pronto. Fui e tomei posse. E o dr. Oscar foi quem me instruiu sobre o que fazia um prefeito: “Você vai lá e vai administrar uma cidade pequena, mas de grande movimento, tem setenta e poucas serrarias, não sei quantos postos de erva-mate…”. Era a exploração da madeira e da erva-mate… Em alguns dias, havia 300, 400 caminhões dentro da cidade. Eu fui de ônibus e, quando parei em frente ao hotel, em São João do Triunfo, estavam lá o juiz de Direito, o dr. Alceste Macedo, e o promotor.
José Wille – E não foi um susto para a cidade ter um prefeito tão jovem?
Anfrísio Siqueira – Todo mundo ficou assustado e eu fiquei com a boca seca, não sabia nem o que falar. Aí, respirei um pouco e disse “Sabe de uma coisa, eu estou cansado da viagem, eu enjoei no ônibus, e eu queria receber vocês na prefeitura de noite”. Eram três horas da tarde, eles se dispersaram e conversei com o promotor, que se chamava Amilton Soares Portugal Pereira. Ele disse “Vou fazer um discurso para você”. Ele fez um discursozinho, e eu fui lá, falei e fui aplaudido. O secretário chamava-se Evaldo Stenzel, um alemão, que me disse: “O senhor pode deixar que eu vou ajudá-lo. O senhor é muito moço, sei que o senhor vai ter dificuldade e tem muita oposição aqui, o senhor vai ter que acertar essa oposição.”. Fiquei cinco anos lá. No terceiro ano, fui falar com o Ribas e pedi para me mandar para outro lugar. Ele disse “Não, você fica aqui”. E me deram uma casa de presente, a melhor casa de Triunfo, na rua principal. E depois, no dia em que eu saí, doei a casa para a prefeitura.
José Wille – Qual era a atividade do prefeito naquela época, numa cidade tão pequena?
Anfrísio Siqueira – A conservação das estradas das serrarias, da estrada que ia para São Mateus do Sul e de uma parte que ia para Palmeira. E a conservação das ruas, que tinham pedregulho. E tinha uma gruta lá que eu mandei reformar, fiz uma estrada de saibro bonita e reformei a gruta, que ficou uma beleza. Então, caí na graça do povo, porque o povo lá era muito católico e o padre falava muito de mim toda vez que eu ia à igreja. Quando o Ribas estava no fim do mandato, assumiu o desembargador Clotário Portugal. Os dois me chamaram e o Ribas disse a ele “Você vai fazer desse menino nem que seja papa, porque eu quero arrumar a vida dele, porque o pai dele era muito meu amigo”. Aí, o Clotário disse “Ele vai ser prefeito em outro município, ele não quer ficar mais lá”. Ele me perguntou se não queria ir para a Lapa. Recusei, porque na Lapa eu tinha muitos parentes e já em Curitiba recebi muitos pedidos de empregos de amigos e parentes que moravam aqui.
José Wille – Para ser prefeito, bastava apenas a nomeação do interventor Manoel Ribas, e já estava resolvido?
Anfrísio Siqueira – Estava resolvido. Tomava posse no Departamento de Municipalidades. Faziam uma ata na prefeitura e se assumia o cargo.
José Wille – Mas não era também um grande salário.
Anfrísio Siqueira – Não, não era um grande; era pequeno o salário. Naquele tempo, tudo era pequeno, mas dava para viver bem, eu vivia muito bem, tinha cavalo de corrida, tinha tudo.
José Wille – Qual era o perfil do interventor Manoel Ribas?
Anfrísio Siqueira – O interventor Manoel Ribas foi um dos homens mais honestos que eu conheci na minha vida. A preocupação dele era a honestidade – o sujeito que tivesse um deslize qualquer, ele acabava com a pessoa, tanto que lhe deram o apelido de “Maneco Facão”, porque todo funcionário que diziam que estava roubando, ele nem queria saber se estava ou não, botava na rua. Ele era um homem muito honesto, que se sacrificou muito. Depois, ficou muito amigo do Lupion e queria que o Lupion fosse candidato, porque ele estava muito doente e o Lupion era um dos homens mais ricos do Paraná naquela época. O Lupion foi eleito governador, fez um ótimo governo, entrou milionário e saiu pobre do governo.
José Wille – O senhor também conviveu com Lupion?
Anfrísio Siqueira – Eu convivi oito anos com ele, em seus dois governos: em um, convivi como delegado; no outro, como diretor da Fiscalização e da Arrecadação.
José Wille – E de Moisés Lupion, qual era a impressão?
Anfrísio Siqueira – Tenho a impressão que o Moisés Lupion foi um homem injustiçado no Paraná, porque ele não roubou, era honesto… Eu, como diretor de Arrecadação, tinha o controle sobre o dinheiro que vinha do Estado. Todo dia, de avião, buscava o dinheiro para garantir o funcionamento do Banestado, que, naquela época, estava praticamente quebrado. Todo dia, arrecadava-se dinheiro das coletorias, traziam-se milhões e milhões em dinheiro e depositava-se tudo no Banestado, que pagava o Tribunal de Justiça, o Tribunal de Contas e o Palácio do Governo. Os meus vencimentos estavam atrasados três meses, mas eu conservava isso para não haver uma intervenção, e eu garantia o funcionamento do Banestado, o funcionamento do Tribunal de Justiça, o funcionamento do Tribunal de Contas e do Palácio do Governo.
José Wille – Depois da Revolução, o senhor teve que responder a um inquérito por este cargo que exercia no governo Lupion.
Anfrísio Siqueira – Uma das perseguições que sofri na época da Revolução é que eles achavam que eu trazia o dinheiro para o Lupion. Ele não pegava dinheiro nenhum. Quem pegava o dinheiro era eu e o Banestado. E quem nomeava, naquele tempo, os funcionários era o diretor. Nomeei quase mil funcionários. Se a arrecadação hoje sobe 1%, naquela época subia 200%, porque ninguém pagava imposto neste estado. O estado do Paraná tinha 30 fiscais de renda; eu pus em cada município um fiscal de renda e uma coletoria para arrecadar o dinheiro. Eu ia de avião e arrecadava o dinheiro. Descia até em campo de futebol de avião. Tive até que tirar brevê para pilotar o avião, pois nós tínhamos dois aviões. Consegui com o Ministério da Aeronáutica que o Euclides Ribas e o capitão Ramos ficassem a minha disposição – duas pessoas honestíssimas, maravilhosas! E quando veio a Revolução, fizeram um levantamento dia por dia do que eu arrecadei e do que eu entreguei. Tinha recibo de tudo, certinho – recibo do coletor, recibo meu e recibo do Banestado – tanto que o Promotor da Justiça Militar fez um bruto elogio para mim, dando-me um atestado de idoneidade financeira, porque não faltou um centavo durante o tempo em que eu arrecadei dinheiro para o estado.
José Wille – Voltando para a década de 40: depois de São João do Triunfo, o senhor foi nomeado prefeito da cidade de Cornélio Procópio, uma região de produção de café.
Anfrísio Siqueira – Já era uma cidade de porte médio, uma cidade que tinha o maior padrão de terra roxa do mundo – terra roxa encaroçada, como chamavam. Lá, fui nomeado delegado de polícia e prefeito – as duas funções – e fiz a eleição do general Eurico Gaspar Dutra.
José Wille – O senhor trabalhava também nas campanhas eleitorais?
Anfrísio Siqueira – Mas não fazia parte de partido político nenhum. Participava porque o governo a que eu pertencia estava com o Dutra; portanto, fui trabalhar com ele. Ganhamos a eleição, como era esperado. A oposição fez um baile lá em Cornélio Procópio e não me convidaram. Eu era prefeito e o secretário da prefeitura era um rapaz aqui de Curitiba, Milton Camargo de Oliveira. Eu disse a ele “Vamos lá nesse baile”. – “Não, o senhor não foi convidado”. – “Vamos, que eu vou entrar na marra lá”. Fui ao baile e fechei a maior pancadaria do mundo. Quando cheguei aqui e contei, do meu jeito, a história para o desembargador Clotário – como ele era um homem seríssimo, honesto – acreditou em mim, e, quando veio uma comissão de lá, ele não a recebeu. E eu voltei para lá e aí endureceu a coisa, pois o pessoal era da UDN. Então, cheguei e acabei com a UDN.
José Wille – Era então o delegado da cidade que decidia tudo?
Anfrísio Siqueira – O delegado decidia tudo… O promotor obedecia ao delegado, o juiz obedecia ao delegado. Em Cornélio Procópio, naquela época, matava-se uma média de 13 a 15 pessoas por mês dentro da cidade. O índice de criminalidade era muito grande naquela época, e eu acabei com isso.
José Wille – Como foi essa atividade de delegado no interior do Paraná?
Anfrísio Siqueira – Eu fui ferido várias vezes. Fui ferido em Guarapuava, fui ferido em Porecatu e em Santo Antônio da Platina. Nesta última, a pessoa que estava do meu lado morreu. Em Guarapuava, eu fui atocaiado, pois fui fazer uma prisão de leprosos, eles se rebelaram e morreu muita gente. Morreu leproso, morreu um soldado e eu fui ferido.
José Wille – Por qual razão seria feita a prisão?
Anfrísio Siqueira – O juiz determinou, porque esses leprosos achavam que se mordessem sete pessoas curavam a lepra. O juiz fez uma portaria determinando que os trouxessem como presos. E eles reagiram a tiro, nós reagimos, eu fui ferido mesmo e morreram nove leprosos, inclusive duas crianças. O juiz me condenou a doze anos de prisão, mas o Acioly Filho entrou com habeas corpus. Ele me condenou da seguinte maneira – dizendo que eu estava em lugar incerto e não sabido. Eu era delegado de polícia da cidade, agia todo dia, inclusive perante o Fórum, e ele disse que eu fiz um processo às escondidas. Eu perdi no Tribunal aqui, mas ganhei no Supremo no Rio. Fui absolvido e voltei para Guarapuava como delegado.
José Wille – O senhor chegou a ficar um tempo fora do Brasil?
Anfrísio Siqueira – Fui para o Paraguai. E também para a Argentina. Morava no ponto mais chique que tinha. Depois, comprei um apartamento lá por seis mil cruzeiros e o vendi por um milhão, quando vim embora – veja como valorizou nosso dinheiro naquela época. Vim embora e voltei para Guarapuava.
José Wille – Como era o tratamento dos presos na época? O delegado decidia tudo?
Anfrísio Siqueira – No meu tempo, os criminosos por acidente ou por circunstâncias não previstas tinham um trato separado e não fugiam. O ladrão, não. Para o ladrão, naquele tempo, tinha pau-de-arara, banho de choque com água… Ladrão bom é ladrão morto, porque ladrão não se cura. O criminoso se cura, se recupera.
José Wille – E a presença da Justiça, dos advogados?
Anfrísio Siqueira – A própria Justiça tinha medo do delegado. O delegado, às vezes, era mais forte.
José Wille – O senhor passou por um grande número de cidades do Paraná. A situação era a mesma em todo lugar?
Anfrísio Siqueira – Em todo lugar. Eu estive em diversos municípios – em Piraí do Sul, Jaguariaíva, Santo Antônio da Platina… Fui delegado regional em Jacarezinho, delegado especial em toda aquela zona em Cambará. Também estive em Porecatu, onde havia um atrito muito grande de terra, invasão das fazendas chefiada por aquele comunista, o Marighella, que depois foi assassinado em São Paulo. Consegui tirá-los de lá, pus todos no caminhão e soltei-os em Presidente Prudente, mas, mesmo assim, morreu uma porção de soldados e uma porção de gente.
José Wille – O senhor teve ainda uma missão na região de Foz do Iguaçu, em 1950, com o problema do separatismo.
Anfrísio Siqueira – O Bento Munhoz da Rocha era inimigo do Lupion, governador na época. Os dois fizeram uma reunião e me mandaram para Foz do Iguaçu para ser o delegado. Cheguei a Foz e tirei todo o destacamento que estava lá – falavam em guarani os soldados – e mandei soldados daqui para lá. Inclusive, levei o Benedito de Almeida Campos, que era coronel quando eu saí da polícia, um homem violentíssimo… Deu um susto, primeiramente no prefeito; depois, no cônsul do Paraguai, que mandava na cidade e vivia maritalmente com a mulher do sargento, um sem-vergonha, pois foi reclamar que queria que trouxessem o sargento de volta, porque a mulher queria que ele voltasse. Ele levou uma surra enorme e foi se queixar em Assunção. Uma comissão do Itamaraty foi me investigar e eu neguei tudo. Disse que ele estava na rua, bêbado, fazendo bagunça e foi preso, e que ninguém sabia que ele era cônsul.
José Wille – O senhor participou da primeira campanha do deputado Accioly, que depois tornou-se senador. Valia a pressão política na campanha?
Anfrísio Siqueira – Quem ganhava a eleição, naquela época, era o delegado de polícia. O delegado de polícia tinha mais fama. Houve uma eleição suplementar em Guarapuava e eu fui designado para fazê-la. Tinha uma urna com 96 votos, que foi anulada, e esses 96 votaram outra vez. Havia dois candidatos em Guarapuava e o Accioly, aqui de Curitiba. Fui lá trabalhar para o Accioly e ele fez 82 dos 96 votos. Aí, o juiz fez um inquérito eleitoral contra mim. Novamente, tive habeas corpus, fui absolvido e o inquérito anulado, por não existir a Lei Eleitoral. E voltei a trabalhar em Guarapuava.
José Wille – Como acontecia essa pressão?
Anfrísio Siqueira – O delegado visitava um por um e dizia “Vou te dar uma carteirinha de inspetor de quarteirão e isso te dá até direito a andar armado, mas você tem que votar no Accioly Filho, porque senão eu venho aqui, te caço a carteirinha e te levo para a delegacia”. Eu visitei todos os eleitores e fiquei ao lado do juiz no dia da eleição. Os caras vinham votar, me olhavam e me cumprimentavam de longe. E assim o Accioly foi eleito; caso contrário, não seria eleito deputado.
José Wille – Através deste tipo de pressão se definiam as eleições, naquela época?
Anfrísio Siqueira – Em todos os municípios era assim: os delegados é que comandavam as eleições. O chefe de polícia era o major Flores, que fazia essa orientação para nós, porque os juízes não queriam se envolver muito em política naquela época. Era o delegado de polícia que fazia esta parte.
José Wille – Com o governador Moisés Lupion, o senhor foi nomeado fiscal de Rendas e, mais tarde, dirigiu esta área no estado.
Anfrísio Siqueira – Eu fui fiscal de Rendas e, depois que ele assumiu, fui nomeado diretor da fiscalização da Renda do Paraná. Sempre trabalhei para a campanha do Lupion, mas era amigo pessoal do Bento, tanto que ele é “Cavaleiro da Boca”, e o Lupion também.
José Wille – E quanto ao Bento Munhoz? Qual é o perfil desse ex-governador?
Anfrísio Siqueira – Um grande intelectual paranaense, um homem de uma cultura tremenda, bonachão, não perseguia ninguém, era contra a exoneração do funcionário público, era um homem bom, no bom sentido. Gostava muito dele, porque era um homem muito sincero, dizia o que tinha que dizer e aceitava ponderações, aceitava tudo.
José Wille – Nomeado para diretor da Fiscalização no governo Moisés Lupion, a preocupação era levantar recursos para o Banestado. Como foi este trabalho?
Anfrísio Siqueira – O governo comprou dois aviões Cessna 185 e eu nomeei em cada município um coletor para arrecadar o dinheiro e um fiscal da renda para ver se os contribuintes estavam pagando os impostos. E a renda cresceu uma barbaridade! O Banco do Estado do Paraná estava na pior situação possível; então, eu saía daqui às seis horas da manhã, pegava o avião e ia para Londrina, Maringá, Campo Mourão, Foz do Iguaçu, todo o Paraná… Pegava o dinheiro das coletorias, chegava de tarde aqui e depositava no banco. Mas, antes de depositar, eu separava uma parte para pagar o Tribunal de Justiça, o Tribunal de Contas, o Palácio do Governo e a Assembleia, para não haver atritos contra o governo. Estas contas nunca ficaram atrasadas.
José Wille – Foi nesta fase, na década de 50, que começou a se estruturar essa cobrança mais efetiva?
Anfrísio Siqueira – Foi nessa época, por causa do grande número de funcionários que foram nomeados e que, hoje, a maioria já está aposentada. Até a oposição meteu o pau em mim, porque disse que eu nomeei o time de futebol do Atlético inteirinho. Eu jogava no Atlético e recebia da Fiscalização de Renda. Eu nasci atleticano, porque meu irmão fez a ata da fusão do Atlético com o Internacional das Américas. A família Siqueira é atleticana por tradição.
José Wille – Mas a acusação não tinha fundamento?
Anfrísio Siqueira – Não tinha fundamento nenhum. Eu nomeei os jogadores, mas eles trabalhavam: o Ubirajara trabalhava, o Geraldino trabalhava, o William, que eu tirei do Coritiba e levei para o Atlético, e também outros do Coritiba – o Taico, por exemplo.
José Wille – E como saber, em outras cidades, se realmente estava sendo feita essa arrecadação e se era de forma correta?
Anfrísio Siqueira – Eu viajava todo dia, três anos viajando sem parar, tanto que eu tirei um brevê por pilotar o avião também.
José Wille – O senhor participou do governo Moisés Lupion. Quando terminou a década de 50, ficou também uma mancha sobre o nome de Moisés Lupion. Que interpretação o senhor tem para isso? Foi a campanha eleitoral de Ney Braga, principalmente?
Anfrísio Siqueira – O primeiro governo do Lupion foi maravilhoso; o segundo não foi, por causa também das pessoas que o rodeavam. Ele era uma pessoa magnífica, tanto que ele entrou rico no governo e saiu paupérrimo, não tinha dinheiro nem para pagar o hotel.
José Wille – Ele era um empresário bem-sucedido?
Anfrísio Siqueira – Ele era o maior empresário do Paraná.
José Wille – O senhor participou, a seguir, do governo Ney Braga, no começo da década de 60. Houve até a sua nomeação para diretor do Tribunal de Contas.
Anfrísio Siqueira – Fui nomeado assessor da presidência; depois, fui nomeado para diversas diretorias.
José Wille – E ali se aposentou, no Tribunal de Contas, no governo Ney Braga?
Anfrísio Siqueira – Eu tinha vencimento igual ao dos juízes em trânsito da capital.
José Wille – E deste governo Ney Braga, qual foi a sua participação e qual foi a sua interpretação daquele período?
Anfrísio Siqueira – Com o Ney Braga, era um negócio meio pessoal, porque ele era lapeano, e eu também sou. Então, tínhamos afinidades por causa da Lapa. Ele nunca me negou nada, e eu sempre o tratei bem – quer dizer, perdurou nossa amizade em razão de nós sermos da mesma região, uma cidade que representa a história do Paraná, a Lapa.
José Wille – O senhor tinha um cargo importante no Tribunal de Contas, mas veio a Revolução e veio também a investigação daquilo que tinha acontecido no governo Moisés Lupion. O senhor enfrentou outros problemas também por causa da “Boca Maldita”?
Anfrísio Siqueira – Por causa da “Boca Maldita” foi depois. Primeiro, foi por causa do dinheiro – eles achavam que eu pegava o dinheiro e dava para o Lupion. O Lupion não pegou um centavo! Pegava o dinheiro do Banestado e desses órgãos, como Assembleia, Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas, e era eu que fazia os pagamentos. A imprensa publicitária naquele tempo era muito pequena, mas quem fazia o pagamento publicitário era eu também.
José Wille – O governo já fazia a publicidade nos veículos de comunicação de uma forma intensa ou foi no governo Ney Braga que isto se tornou mais forte?
Anfrísio Siqueira – No governo Ney Braga tornou-se bem forte.
José Wille – Para haver uma adesão, para não haver crítica na imprensa local – foi aí que se criou esta tradição paranaense?
Anfrísio Siqueira – Mas eu acho que todos os governos têm que promover seus serviços, suas obras! Se não promovê-las, ninguém sabe o que está sendo feito. Então, é uma obrigação do governo promover as obras, dizer o que está fazendo e o que vai fazer.
José Wille – Quando o senhor suspeitou que poderia ser preso, depois da Revolução de 1964, como foi a sua fuga?
Anfrísio Siqueira – Eu fui procurado pelo Exército. Morava no Edifício Itália, na rua Fernando Moreira. Eu tinha saído e cercaram a quadra inteira. Subi e fui para o apartamento de cima, onde morava o Abílio Ribeiro, e me escondi lá. Aí, fui para Guaratuba e lá o Exército veio falar comigo, dizendo que estavam “procurando uma pessoa assim, um metro e oitenta… e tal” e eu disse “Ah, eu sei, ele estava com o Itamaraty, ele foi lá para Joinville”.
José Wille – Ninguém reconheceu o senhor?
Anfrísio Siqueira – Eram todos de fora, cariocas e paulistas. Vim embora para Curitiba e fiquei preso no quartel-general por quatro dias.
José Wille – Como foi o interrogatório e o processo?
Anfrísio Siqueira – O interrogador chamava-se capitão Bonsão. Ele não era paranaense, um cara grosso… Não queria saber de nada e fazia perguntas cretinas para mim. E eu a tudo respondia, não, não, não! Ele disse “O senhor só sabe dizer não, parece o Dalcanale.” E eu respondi “Vocês vão me tratar bem? Não vão me machucar? Senão, saio daqui e mato vocês”. E nunca mais me procuraram…
José Wille – O senhor enfrentou perseguição nos anos seguintes pela existência da “Boca Maldita”, que era um local de encontro?
Anfrísio Siqueira – Eles queriam acabar com a “Boca Maldita”, porque eles achavam que era um foco de boato contra o governo militar. No dia 3 de dezembro, que é o aniversário da “Boca Maldita”, nós estávamos reunidos num jantar. Chegou um capitão do Exército chamado Lucas com seis soldados e disse “Vocês tem que acabar com essa reunião, não tem valor nenhum”. E como havia gente que tinha bebido demais, começaram a gritar “Bicha! Bicha!”, e todo mundo gritava junto. Então, o capitão disse “Vou buscar uma tropa e vou levar todos vocês presos”. Até hoje, não apareceu com a tropa…
José Wille – Como surgiu a “Boca Maldita”? Na década de 50, já existia uma reunião no local?
Anfrísio Siqueira – O grupo se reunia ali na esquina da Ébano Pereira com a XV de Novembro. Falavam de futebol, mulher, ficavam até as duas horas da manhã, toda noite… Naquele tempo, não tinha o calçadão, os carros passavam por ali. Como sempre tem jantar dos médicos, dos engenheiros, sei lá, alguém sugeriu “Nós temos que fazer o jantar da ‘Boca’”.
José Wille– Já existia esse nome? Como surgiu a “Boca”?
Anfrísio Siqueira – Porque o local onde se reuniam era chamado de “Boca”, as pessoas diziam “Vou lá na Boca”. A palavra era verbal, não tinha nada escrito. Então, fizemos o jantar no Grande Hotel Moderno, o hotel mais chique de Curitiba, com vinte pessoas, e o René Dotti fez um discurso muito bonito…
José Wille – E o título “Boca Maldita”?
Anfrísio Siqueira – Tinha um jogador do Ferroviário que se chamava “Boca Negra”. Aí, o Adherbal Fortes Sá, um jornalista aqui de Curitiba, disse “Esse nome está errado, tem que modificar”. As moças não passavam ali onde nós estamos agora; desviavam, porque recebiam gracejos, brincadeiras, ninguém parava ali, nem para tomar um cafezinho conosco. Então, ele disse “Nós somos malditos, e o nome vai ser ‘Boca Maldita’”. Isso aconteceu em 1956.
José Wille – Então, 1956 é a data oficial do surgimento e da criação da “Boca Maldita”?
Anfrísio Siqueira – Não, foi no primeiro jantar, quando nos reuníamos antes, aleatoriamente, sem razão de ser. Mas, a partir daquela data, todo dia 3 de dezembro nós fazemos este jantar. Depois, veio a Revolução e queriam que eu fechasse a “Boca”. Não fecha, fecha, prende, não prende… Então, a única maneira de funcionar era ter um estatuto. Fiz um “Estatuto da Boca”, registramos no Título de Documentos, foi declarada de utilidade pública pela Assembleia Legislativa e pela Câmara Municipal, foi declarada Tribuna Livre… Aí, a “Boca” passou a ser legal, como dizem na gíria. Nesse ano que passou, demos o milésimo título de “Cavaleiro da Boca” para o João Derosso, o presidente da Câmara.
José Wille – Ela se transformou em uma instituição?
Anfrísio Siqueira – Era uma confraria que virou uma instituição hoje, mas é uma reunião de respeito. O Ermírio de Moraes veio aqui, fez um discurso maravilhoso e foram mil pessoas no jantar dele.
José Wille – Quem participava da “Boca”: as pessoas que já estavam lá ou foram se criando novos adeptos?
Anfrísio Siqueira – Depois, nós criamos o título “Cavaleiro da Boca”. Foram esses vinte, e mais vinte, mais quarenta, mais sessenta… Eles recebem o título de “Cavaleiros da Boca”, com um diploma muito bonito, feito pelo René Dotti, e uma medalha no formato de estrela. Trouxemos o Tuma, que era superintendente da Polícia Federal, trouxemos o Collor, o governador do Ceará, de Alagoas, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, de São Paulo, de Pernambuco, e assim por diante…
José Wille – E a tradição de que mulher não entra no jantar?
Anfrísio Siqueira – Não é que não entra – não tem clima para ela entrar. Qual é o papo para uma mulher no meio de 600, 800 homens? Não tem papo para elas. Combinei com uma vereadora que foi eleita agora, que foi lá em casa, e com o René fizemos o estatuto da “Boca Rouge” – uma “Boca” só de mulheres. Toda e qualquer mulher gostaria de ser a primeira a entrar lá, tanto que jornalista mulher não entra lá para entrevista, porque a conversa é só para homens, mas não se falam palavrões, ninguém mais bebe. Há pouco, estiveram aqui estes quatro ministros do Supremo e saíram assombrados daqui, nunca viram um troço tão lindo como esse!
José Wille – Outras “Bocas” surgiram pelo Brasil. Virou uma tradição – até Santa Felicidade tem sua “Boca”, assim como tantas outras cidades do Brasil.
Anfrísio Siqueira – Tem no Rio Grande do Sul, em Cruz Alta, e a “Boca Maldita” tem seu prédio próprio, que fica na praça Principal. O Guinle, que era o presidente, comprou o prédio e o doou. Santa Catarina tem em dois ou três municípios. Em Minas Gerais, há diversas também – há pouco tempo, me chamaram para inaugurar uma lá.
José Wille – É principalmente um local de troca de informações, onde as pessoas ficam sabendo de tudo, trocam ideias…
Anfrísio Siqueira – No Paraná, tem mais de oitenta “Bocas Malditas”. Tem em Matinhos, São José dos Pinhais, Santa Felicidade, Londrina, Maringá, Apucarana, Umuarama… Até Santo Antônio do Sudoeste tem “Boca Maldita”…
José Wille – Essa conotação de local de troca de fofocas, como o senhor vê isso?
Anfrísio Siqueira – A “Boca Maldita” é uma coisa de ressonância – quando se diz uma coisa na “Boca Maldita”, ela já se espalha pela cidade. O ponto de ressonância de Curitiba é a “Boca Maldita”. Uma coisa dita na “Boca Maldita” se espalha por todo lugar, mesmo que seja mentira. Até se saber se era verdade, a conversa já está longe.
José Wille – Talvez daí a preocupação do regime militar com a existência do local.
Anfrísio Siqueira – Nós fazíamos um movimento tremendo contra o regime militar – eu, principalmente, o Mazza, o Adherbal, o Roberto Velozo…
José Wille – O perfil do curitibano, principalmente o tradicional, que tinha essa vivência da cidade, foi mudando rapidamente? Foi na década de 70 que houve esta mudança?
Anfrísio Siqueira – Não. Curitiba começou a mudar depois que começou a inchar com gente de fora. E essa gente não se adapta ao nosso meio, tanto que os frequentadores da “Boca” são sempre os mesmos. De fora, vêm por novidade – do Rio, de São Paulo, de Pernambuco… No sábado mesmo, veio um cara de Brasília e quase teve um troço – nunca tinha visto tanta gente junto, só falando de política e futebol e mulheres. E eu lhe disse “Mas isso é um órgão de ressonância da cidade! O que é dito lá, vale para o estado inteirinho”.
José Wille – Na década de 70, houve o fechamento do calçadão na administração do Jaime Lerner.
Anfrísio Siqueira – Nós fomos a favor. Eu e o Mazza trabalhamos muito para isso. Ele, inclusive, foi ajudar os pedreiros a colocar os bancos em forma de triângulos e escolheu os lugares. Agora, estão faltando os bancos, porque os comerciários não querem que se sente lá. Há pouco tempo, tiraram os bancos e eu fiz um apelo dramático na primeira página do “Estado do Paraná”. Puseram de volta os bancos, pois há velhinhos de 80, 90 anos que vão tomar sol lá e ficam amigos da gente. Tirar essa gente de lá também era duro…
José Wille – O senhor criou uma instituição muito polêmica na década de 70, que foi a chamada “Banda Polaca”. Qual era a ideia e como foi a formação?
Anfrísio Siqueira – Eu fui procurado pelo Dante Mendonça, jornalista, que me disse “Estive no Rio de Janeiro e saí na ‘Banda de Ipanema’. Você tem que fazer em Curitiba uma banda aqui nossa”. Estava na casa do Ibrahim e ele disse “mas lá não tem clima, só tem polaco, eles não sabem gingar…”. “Mas pinta o cabelo de loiro e solta eles como se fossem polacos”. Falei com o Dante Mendonça e ele topou também. Fizemos, então, a “Banda Polaca” e saímos pela primeira vez com a consulesa da Alemanha, com diversas consulesas, com a Margarida Sansoni e com algumas senhoras da sociedade, mas eu fui chamado na Polícia Federal, porque tinha que ter licença para desfilar e um estatuto. O René fez então o estatuto da “Banda Polaca” e saímos cinco anos seguidos. Mas, nos últimos anos, era demasiado o número de pessoas, e havia muita bebedeira, porque cada clube ganhava uma caixa de uísque, e eram vinte clubes! Um dia, combinei com o Cláudio Geara “Vamos desmistificar essa gente de Curitiba, que é cheia de trique-trique”. Fomos às principais boates da cidade, conseguimos umas trinta mulheres, pintamos todas elas de loura e demos um cachê para elas. Saímos do Teatro Guaíra, cinco delas em cada clube, com o trato de, ao chegarem em frente à Galeria Tijucas, tirarem o sutiã e jogá-lo fora. E foi o povo acompanhando, gritando, soltando foguete… E puxava o cordão dos carros um jipão do Clube Curitibano, com a diretoria toda. Quando chegou bem em frente à Galeria Tijucas, elas tiraram o sutiã e o jogaram para fora. Os carros pararam e o povo saiu correndo. Minha mulher ficou louca da vida, minha tia, já de idade, ficou horrorizada… Foi um escândalo tremendo e esse foi o último desfile da “Banda Polaca”.
José Wille – O senhor acredita que algumas ousadias criadas na “Boca” e, depois, na “Banda Polaca” mudaram a cidade?
Anfrísio Siqueira – O curitibano hoje está ousado! Você vê na rua mocinha andando de maiô – antigamente, se saísse de maiô, era surrada. Ninguém liga, porque Curitiba hoje é uma cidade cosmopolita, tem gente de todo lugar. Hoje, o curitibano está se modernizando e se modificando, porque havia muito preconceito, um sistema antigo de vestimenta. Agora não, acabou tudo isso.
José Wille – Isso fez do senhor uma das personalidades mais conhecidas do Paraná – presidente e fundador da “Boca Maldita”.
Anfrísio Siqueira – Eu recebi o título de “Bicho do Paraná” por causa da “Boca Maldita” e, agora mesmo, fui uma das cinco figuras carimbadas de Curitiba. Então, pelo movimento que eu fiz em Curitiba, ruim ou bom, fiquei superconhecido. Sou mais conhecido do que arruda em Curitiba.
José Wille – Duas paixões, ainda: o automobilismo, ao qual o senhor se dedicou, e o futebol.
Anfrísio Siqueira – No automobilismo, ganhei duas corridas, fui presidente do Automóvel Clube do Paraná e fundei a Federação Paranaense de Automobilismo, sendo seu primeiro presidente. E, no Atlético, sou conselheiro, mas já fui de tudo no Atlético desde 1950.
José Wille – O senhor viveu praticamente sua vida dentro do Atlético?
Anfrísio Siqueira – Eu, meu filho, minha mulher… Até empregada tem que ser atleticana para trabalhar na minha casa.
José Wille – Como o senhor define sua paixão pelo futebol?
Anfrísio Siqueira – O futebol está no brasileiro. Eu me preocupo mais com o Atlético do que com a Seleção Brasileira, porque a tradição que nós temos… O Atlético é uma nação, hoje. Eu estive em Antonina e fiquei impressionado com a carreata-monstro do Atlético. Curitiba pode ter bairros com os torcedores do Coritiba, mas, no estado do Paraná, a maioria é atleticana.
José Wille – Para encerrar: a “Boca Maldita” não é só marcada geograficamente, mas intelectualmente, pela repercussão que tem na cidade. Como o senhor avalia hoje esse trabalho?
Anfrísio Siqueira – Eu acho que a “Boca Maldita” sintetiza o que é o curitibano, o que é a sociedade curitibana, o que é o movimento político curitibano, pois pode reparar que todas as classes sociais e políticas estão na “Boca Maldita”. E a ressonância sai toda da “Boca Maldita”.