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General da reserva e ex-parlamentar, Ítalo Conti esteve na Segunda Guerra Mundial, atuando na Força Expedicionária Brasileira na Itália como capitão. Mais tarde, na política, foi deputado federal por três vezes.
Como secretário de Segurança Pública, nomeado por Ney Braga, Conti foi um dos paranaenses que vivenciaram os bastidores do poder do Golpe Militar, em 1964. Entrevista gravada em dezembro de 1997.
José Wille – Iniciando pela sua origem: O seu pai trabalhava com extração de madeira…
Ítalo Conti – Quando nasci, em 1916, meu pai trabalhava na serraria do município de Cruz Machado, mas fui registrado em Mallet, onde se situava o cartório mais próximo. Mas, praticamente, nunca moramos em Mallet. Posteriormente, meu pai veio para União da Vitória, onde nos criamos.
José Wille – Eram só dois filhos. Por que os dois irmãos seguiram a carreira militar? Foi influência de seu pai?
Ítalo Conti – Não foi propriamente influência. Foi uma decisão dele, pois achou que seria melhor para os seus filhos. Meu pai e todos os empresários que tinham empreendimentos comerciais e industriais no Brasil inteiro passaram por muitas dificuldades nos anos de 1928 e 1929. E ele dizia à minha mãe “Não quero que meus filhos passem pelo que eu estou passando”. Porque, depois de ter uma situação praticamente boa, bem estabelecida, caiu tudo e ele teve que entregar todos os seus bens para pagar as dívidas. Houve um baque muito grande na vida financeira e ele nos mandou, eu, com 12 anos, e meu irmão, com 11, para o Colégio Militar no Rio de Janeiro, em outubro de 1928.
José Wille – Oficial, naquela época, era bastante valorizado?
Ítalo Conti – O oficial tinha um padrão de vida realmente muito bom, era muito prestigiado na sociedade, tudo produto de uma conjuntura econômica e social. Os militares eram muito bem recebidos na sociedade e tinham certo padrão de vida também, o que hoje já não acontece muito.
José Wille – Em 1928, quantos dias levava uma viagem de União da Vitória até o Rio de Janeiro?
Ítalo Conti – Era uma odisseia! A gente saía de União da Vitória às 7 da manhã e chegava às 7 da noite em São Francisco, via Mafra, com o trem que se chamava Bananeiro, pois transportava muita banana. Lá, a gente esperava o navio pequeno, que levava dois dias e duas noites até chegar ao Rio de Janeiro. Então, era mesmo uma coisa muito comprida.
José Wille – Como era para quem saía de uma cidade pequena indo para a capital brasileira – que, na época, era o Rio de Janeiro. E a adaptação ao Colégio Militar?
Ítalo Conti– Chegamos lá e fomos para uma escola preparatória, onde havia cursinhos nos preparando para o exame de seleção no Colégio Militar – o exame de admissão, como era chamado. Fizemos esse exame em dezembro de 1928 e, no começo de 1929, fomos aprovados e matriculados.
José Wille – Na Escola Militar do Rio, o senhor conviveu com muitas outros militares que teriam destaque, depois, na Revolução de 1964?
Ítalo Conti – Que passaram pelo Colégio Militar eu posso citar, por exemplo, o Figueiredo, que foi presidente da República, e o Costa Cavalcanti. O Ney não fez Colégio Militar, fez o Ginásio Paranaense e, depois, fez admissão à Escola Militar, sendo aprovado. Eu, oriundo do Colégio Militar, não precisava fazer exame de admissão. Nós fizemos os 3 primeiros anos juntos, fomos para a mesma Arma e firmamos uma amizade que permanece até hoje. O Castelo Branco, eu o conheci como oficial de operações na FEB. Estávamos, muitas vezes, na linha de frente e ele aparecia lá nos inquirindo, para saber como estava a situação. Posteriormente, quando fui cursar a Escola de Estado Maior, ele era o comandante. Então, também houve certo conhecimento, embora ele nunca tenha admitido intimidade.
José Wille – O fato histórico de que o senhor viveu foi a Intentona Comunista, em 1935?
Ítalo Conti – Exatamente. Eu estava no primeiro ano da Escola Militar quando houve a Revolução de 1935 – a Intentona Comunista, como a chamávamos – financiada por Moscou. Houve emissários estrangeiros, alemães comunistas, que vieram preparar um golpe no Brasil, pois achavam que o país estava maduro para que um movimento comunista fosse vitorioso. Tanto é que o Luiz Carlos Prestes, que depois de 1930 foi para a Rússia, onde se preparou, estava no Rio de Janeiro para assumir o governo. A Revolução Comunista primeiro dominou Natal por três dias; depois, Pernambuco, também com muita violência; no Rio de Janeiro, houve um levante do Terceiro Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha. E esta foi a participação nossa. A Escola de Aviação Militar se revoltou, quem dominou a revolta foi o Eduardo Gomes – que, inclusive, foi ferido no ataque – e nós fizemos uma barreira para evitar a fuga, as ligações que os revoltosos queriam estabelecer com outras tropas do Exército. Ocupamos posição, nos armamos, prendemos oficiais, inclusive oficiais como Gilberto Vieira de Azevedo, capitão-aviador, que era declaradamente comunista. Eles tentaram fugir e foram seguros pelos cadetes. Houve um tenente comunista, Olivier, que tentou levar o pelotão dele, que estava numa marcha noturna, para a Escola de Aviação Militar, e os cadetes se recusaram a acompanhá-lo. Tínhamos um cadete amigo nosso, da mesma turma, o Bragança, que foi assassinado enquanto dormia por um companheiro dele. Então, tudo isso aconteceu durante minha juventude na Escola Militar. Éramos uma juventude muito patriota, educada nos preceitos de amor à pátria, e isto calou muito, sendo o fermento de tudo que aconteceu no Brasil. Esses fatos criaram em nós uma grande ferida, que até hoje não cicatrizou, pois não temos ódio de comunistas, mas a minha geração não aceitava, de forma nenhuma, o comunismo.
José Wille – Em 1937, o senhor veio para Curitiba já como aspirante?
Ítalo Conti – Exatamente. Em novembro de 1937, fui declarado aspirante e vim para Curitiba, onde servi durante um ano com o Ney Braga.
José Wille – E um período no Rio Grande do Sul, também?
Ítalo Conti – Depois, fui para o Rio Grande do Sul, e o Ney foi também. Eu fui para Cruz Alta e ele para Santo Ângelo. Fiquei cinco anos no Rio Grande do Sul. O Ney ficou dois anos e, aí, voltou para Curitiba. Eu gostava do Rio Grande do Sul e não pretendia voltar tão cedo para Curitiba.
José Wille – Houve uma consulta aos militares, para se ter ideia de quem queria ir com a Força Expedicionária lutar na Itália. O senhor foi como voluntário?
Ítalo Conti – Eles abriram voluntariado para os civis. No Exército, eles faziam uma consulta e um ou dois casos somente não aceitaram ir para a Itália.
José Wille – Como era o posicionamento no meio militar, com relação às potências que estavam lutando na Europa?
Ítalo Conti – No Exército, nós admirávamos a máquina de guerra montada pela Alemanha, por Hitler. Eram novos métodos, novas doutrinas, novo emprego, por exemplo, de paraquedistas, de blindados… Aquilo nos entusiasmava, porque era uma máquina perfeita. Não que fôssemos nazistas, que fôssemos admiradores do sistema de Hitler, porque não conhecíamos detalhes. Hitler se transformou num monstro depois da guerra, quando apareceram todas aquelas coisas. Até aquele momento, sabíamos que a Alemanha estava arrasada, paupérrima, arrebentada pelo Tratado de Versalhes, e Hitler levantou a Alemanha. Então, havia, no Exército, certa admiração pela máquina de guerra, até o ataque dos japoneses a Pearl Harbor. Aí, houve uma mudança completa de mentalidade e todo nosso entusiasmo foi pela mobilização do exército americano.
José Wille – O senhor, na época, era capitão. O que representava para alguém que deixava o Brasil e, no seu caso, família e filho, para enfrentar a guerra na Europa?
Ítalo Conti – Aquilo tudo é consequência do ambiente daquilo que se vive. Vivíamos um ambiente anti-Alemanha. O povo ia para a rua protestar e exigir que se revidassem as agressões que o Brasil estava sofrendo. Tivemos tantos navios afundados, com 600 mortes em trinta e tantos navios afundados, e isso calou profundamente na opinião pública brasileira. O Getúlio Vargas até era um pouco favorável à Alemanha, tanto que fez um célebre discurso, em 11 de junho, na Marinha, em que alertava que o mundo estava diferente, que outras potências estavam surgindo. Referiu-se a outros métodos e deu a entender a sua simpatia pela Alemanha. Mas a opinião pública foi de tal forma mobilizada pela imprensa, pelos estudantes, pela sociedade, que fomos nos transformando e queríamos que realmente o Brasil vingasse a morte de tantos brasileiros. Naturalmente, houve um pouco de marketing dos americanos, no sentido de atrair o Brasil para o seu lado, porque o Brasil era o fornecedor de matéria-prima: borracha, ferro, alimentos, carne… Na Itália, nós tínhamos latas de carne made in Brazil.
José Wille – Uma coisa é o treinamento. Outra é enfrentar a dura realidade da batalha. Como foi essa experiência?
Ítalo Conti – Descemos em Nápoles e fomos para um campo de repouso. Lá, recebemos equipamentos de inverno e armamento. Fizemos um período de treinamento, pois havia escolas de treinamento em plena guerra. Depois, fomos acionados para a frente, substituindo tropas americanas que se deslocavam para o desembarque na Europa.
José Wille – A estrutura que tinha o Exército brasileiro era precária? Havia o suprimento por parte dos americanos?
Ítalo Conti – Na Itália? Todo o suprimento era americano, desde o chiclete até o canhão 155 e o tanque americano. Chiclete, porque, de manhã, eles davam chicletes para a gente. Aliás, nessa guerra, aprendemos, além de outras coisas, essas duas: chiclete e coca-cola.
José Wille – Como era a convivência com os italianos e com os soldados americanos?
Ítalo Conti – Com os italianos foi muito interessante, porque, em primeiro lugar, a língua facilitava. Segundo, a natureza do homem brasileiro, a sua personalidade, é muito fácil de agradar, de estabelecer diálogo, convivência. Então, os italianos procuravam muito os brasileiros e nós também os italianos. Eu, por exemplo, que falo italiano, parecia que estava em casa. O brasileiro tocava muito música e fazia escolas de samba. Como o italiano gosta muito de música, então a convivência com eles foi extraordinária. Até hoje, eles lembram da tropa brasileira, dos brasilianos. Fiz uma viagem à Itália há pouco tempo e eles ainda relembram os brasilianos do tempo da guerra.
José Wille – A participação do Brasil começou em 1944, quando a guerra já estava na fase final. Existia, naquele momento, a noção de quanto tempo podia durar ainda o conflito?
Ítalo Conti – Não, não havia a mínima ideia. Pode ser que os escalões estratégicos tivessem uma ideia da duração da guerra, mas nós capitães não tínhamos absolutamente ideia de quando ia terminar esse conflito. Nosso objetivo era vencer.
José Wille – De que momentos o senhor julga importante ter participado?
Ítalo Conti – O que julgo mais importante foram os combates que tivemos. Por exemplo, a Tomada do Monte Castello, para mim, foi o ponto alto da Força Expedicionária, porque tivemos três ataques fracassados. O americano precisava do Monte Castello, que dominava uma estrada que levava direto a Bologna, a Rota 64. Na quarta tentativa, que foi em fevereiro, conseguimos chegar lá em cima, com muito sacrifício, deixando fileiras de mortos.
José Wille – Como capitão, na posição de comando, como é a ação para manter elevado o moral da tropa?
Ítalo Conti – Em primeiro lugar, é dar o exemplo, estando em contato permanente com eles. Segundo, dar missões compatíveis com a possibilidade da tropa. Terceiro, acompanhar todos os lances, não na frente, porque quem vai na frente mesmo é o soldado, porque a própria estrutura é assim. Então, é importante que quando o soldado, por exemplo, conquiste uma posição, você esteja junto com ele depois, incentivando, ajudando a retirar os feridos e participando desses detalhes naturais de um combate. Eu, como oficial da Artilharia, mais acompanhava a infantaria no sentido de selecionar os bombardeios para que a ação pudesse progredir.
José Wille – Como chegou a notícia do fim da guerra?
Ítalo Conti – Depois do rompimento da linha dos Apeninos, conquistamos Montese. Aí, veio o princípio da primavera e fomos para Bologna. Fomos a primeira tropa brasileira a entrar em Turim, quando cercamos, em Fornovo, uma divisão alemã inteirinha – único caso de uma divisão completa se render às forças aliadas. O marechal Mascarenhas fez uma manobra de envolvimento e essa divisão se entregou inteirinha – 25 mil homens!
José Wille – Que recordações o senhor tem da volta para o Brasil?
Ítalo Conti – Foi uma alegria completa, porque, depois de nove meses, vim conhecer o meu filho, que nascera em janeiro. Eu vim em setembro! Isso, do ponto de vista humano, é extraordinário! Só quem passou por isso é que sabe. Encontrar minha filha, que deixei com um ano e pouco e que nem me conhecia direito… Tudo isso é muito sentimental e emocionante!
José Wille – Houve, naquela época, uma valorização grande dos pracinhas.
Ítalo Conti – Aonde chegávamos, éramos recebidos com alegria, abraços, emoções… Até com choro!
José Wille – Em 1945, o senhor voltou ao Brasil. Terminada a guerra, sua expectativa era continuar na carreira para chegar a general?
Ítalo Conti – Sim, eu pensava. Mas, para chegar a general, há muitas condicionantes. Porque não é pelos méritos, é por escolha. Alguns oficiais brilhantes não chegam a generais e alguns não tão brilhantes chegam. É a conjuntura política, porque, realmente, quem escolhe é o presidente. Hoje, é um pouco diferente, pois o alto comando seleciona. Mas, naquela época, o Getúlio Vargas pegava o oficial e o tornava general.
José Wille – E o senhor passou, depois da volta ao Brasil, um período de 15 anos até deixar o Exército e ir para a Secretaria de Segurança?
Ítalo Conti – Exatamente. Nesses 15 anos, fiz os cursos necessários, como Escola de Armas, Escola de Estado Maior, comandei unidades, tive funções de Estado Maior… Enfim, atividades normais de um oficial que serve ao Exército. E, quando estava no comando em Castro, o Ney Braga me convidou para a secretaria.
José Wille – O senhor ficou dividido, nesse momento? Tinha a possibilidade de chegar a general, mas teria uma interrupção na carreira militar, para assumir a Secretaria de Segurança?
Ítalo Conti – Acho o seguinte: em primeiro lugar, minha família tem um pouco de política também. O Aníbal Curi, por exemplo, é meu cunhado. Então, quando eu estava comandando Castro, o Ney me convidou para ser chefe de polícia. E eu disse: “Mas, Ney, eu não entendo nada de polícia, eu entendo de Exército!” – e ele “Não me interessa se você entende ou não entende, o que eu preciso é ter um amigo lá e esse amigo é você!”. E disse uma frase que revela bem o homem que ele é: “O problema é o seguinte: eu já fui chefe de polícia e quero me preocupar com o estado, estrada e energia elétrica”. Ele era fanático por isso, porque o Paraná estava às escuras. O Paraná sofria a ameaça da criação do estado de Paranapanema, porque o Norte do Paraná estava todo vinculado a São Paulo. Aí, o Ney disse “Ítalo, você vai para lá e vai cumprir as missões necessárias, mas duas coisas eu te peço: só não bata em estudantes e não atire em operários com barriga vazia”. (risos)
José Wille – Em 1961, então, o senhor assumiu a Secretaria de Segurança.
Ítalo Conti – Quando assumi, ainda era chefia de polícia, porque havia uma Polícia Civil e a Polícia Militar, que era subordinada diretamente ao governador. E Ney Braga me chamou e disse “Você crie a Secretaria de Segurança, absorvendo a Polícia Militar, porque eu não quero perder tempo em despachar assunto que você pode resolver”. Basta dizer o seguinte: para nomear um delegado, tinha que passar pelo Ney Braga, tinha que marcar audiência com ele para se nomear um delegado. Então, ele me mandou criar uma estrutura. E a lei para criar a Secretaria da Segurança foi entregue ao Aníbal, que era secretário da Assembleia. Quinze dias depois, a lei foi sancionada pelo Ney. Aí, eu fiquei com a Polícia Militar, a Polícia Civil, a de Trânsito e a Penitenciária, que, naquele tempo, era da Polícia Civil.
José Wille – O que o senhor julga ter sido mais importante nessa missão, na Secretaria de Segurança do governo Ney, no começo da década de 60?
Ítalo Conti – O desafio era o problema de terra, não no sentido de assentamento, mas dos conflitos pela posse de terra. Porque, no período de Lupion, houve muita distribuição de terra, que eram entregues a determinados proprietários. Mas, quando chegavam lá, a terra já estava ocupada. Então, contratavam jagunços, o que gerou uma guerra entre jagunços e posseiros. Havia muita morte e a Polícia Militar, naquela época, era muito execrada pela opinião pública, porque era instrumento desses proprietários de terras, que a usavam para limpar a área. E o Ney queria que se invertesse isso.
José Wille – O senhor era secretário de Segurança em 1964, quando veio a Revolução. Como foram os dias anteriores?
Ítalo Conti – Nós sabíamos que ia haver qualquer coisa. O governo do Jango levantava muita suspeita para nós militares. Tínhamos informações de que ele ia estabelecer uma república sindicalista, apoiada pelos comunistas. Então, fomos nos preparando. O Ney, acionado pela alta cúpula, me chamou e pediu que eu preparasse a tropa para uma eventual ocupação. Ele tinha uma preocupação com a Revolução, porque não queria que o Paraná fosse o campo de batalha. O Ney apoiava tudo, desde que jogassem para São Paulo ou para o Rio Grande do Sul, porque sabia o que é um campo de batalha, pois, como militares que estiveram na guerra, sabíamos o que é uma terra ocupada, destruída, de difícil recuperação. E nós nos preparamos aqui. Comandado pelo grande coronel Lapa, da Polícia Militar, havia um batalhão preparado para qualquer eventualidade, para jogar para São Paulo e para o Rio Grande do Sul, todo mobilizado.
José Wille – Duas semanas antes da Revolução, o senhor esteve com o general Castelo Branco. Já estava evidente o que aconteceria em breve com o Brasil?
Ítalo Conti – O Castelo Branco nunca foi um conspirador. Pela sua pregação, pela pessoa que era, pelo seu passado, sabíamos que, na hora exata, o Castelo estaria do nosso lado. Mas ele não era um conspirador, de se reunir num apartamento no Rio de Janeiro ou de mandar emissários aqui para Curitiba para conversar com determinados oficiais. Inclusive não era homem de intimidade, de chamar um tenente para confabular como iria fazer para dar um golpe. Ele não era desse tipo – era de dar ordem. Tanto que estourou a Revolução e todos se uniram em torno dele.
José Wille – O senhor teve um papel também como articulador entre os revolucionários, naquele momento?
Ítalo Conti – Eu, como secretário de Segurança, fazia as articulações, viajava para o Rio de Janeiro, fazia ligações com vários oficiais, transmitia as informações. Sabíamos quem era nosso e quem não era nosso, sabíamos quais unidades nos acompanhavam, quais oficiais tínhamos que neutralizar. Havia um plano de quais civis tínhamos que prender. Então, realmente, nós tínhamos um plano preparado.
José Wille – Quanto tempo antes começou a ser discutido esse plano?
Ítalo Conti – Acho que o ponto que marcou as duas fases da mentalidade militar – para a Revolução ou não – foi a aliança de Luiz Carlos Prestes com Getúlio Vargas, no passado. Parece que esta aliança foi muito bem estudada pelos comunistas. Já estávamos motivados contra o comunismo, por causa da ferida de 1937. Então, a nossa geração já era anticomunista por natureza.
José Wille – Uma situação que vinha, então, desde o começo da década de 50?
Ítalo Conti – Sim. Quando o Getúlio se candidatou pela segunda vez, recebeu apoio do Luiz Carlos Prestes. E esse apoio nos despertou a necessidade de nos mobilizarmos também, esperando qualquer coisa diferente pela frente. Então, era muito vago. Sabíamos que alguma coisa tínhamos que fazer para evitar a ascensão dos comunistas. Depois, com o desenrolar, veio a renúncia do Jânio, a volta do Jango prestigiando comunistas, generais comunistas… Na Revolução de 1964, o Exército tinha 95 generais – 33 foram afastados. Uns não receberam missão e se reformaram; outros foram cassados pelo Ato Institucional.
José Wille – Mesmo aqueles que ficaram em dúvida no momento de aderir?
Ítalo Conti – Em 1964? Sim, naturalmente! Os generais que ficaram no muro, esses não receberam comissão, foram embora. Agora, aqueles que tinham participação tão ativa, como Assis Brasil, chefe da Casa Militar do João Goulart, esses foram cassados.
José Wille – O ex-governador Ney Braga disse que a repressão aqui no Paraná, depois de 1964, foi moderada. Era o senhor que a comandava, através da Secretaria de Segurança.
Ítalo Conti – Em primeiro lugar, não sei se tinha alguma veia política, mas não quis prender ninguém. Estourada a Revolução, dois notórios comunistas do Paraná, o dr. Jorge Karan, um médico altamente conceituado, e o Vieira Neto, um advogado brilhante, professor universitário, depois de 10 dias foragidos, apresentaram-se na Secretaria de Segurança. E eu lhes disse que não tinha ordem nenhuma para prendê-los. E, também, quando o Exército fazia um expediente para mim, dizendo que precisava de depoimento de fulano de tal, eu não mandava a rádio-patrulha pegar o cara e levá-lo ao quartel-general. Simplesmente mandava avisar a pessoa que o Exército queria o seu depoimento e que se apresentasse. Certos estudantes que tinham ideias de esquerda, ativistas até, pessoal da UNE – aqui, era UPE – fugiam e ninguém era preso. Por isso, o Ney disse que foi uma época em que não prendemos ninguém.
José Wille – Castelo Branco queria um período breve na presidência da República. O senhor acha que foi um erro dos militares essa continuidade por tanto tempo?
Ítalo Conti – Muito! A Revolução se prolongou demais. Lógico que nós não percebemos. Hoje, com o tempo, é que chegamos a essa conclusão. Ela devia ter parado, no máximo, no governo Médici, que devia ter entregue o poder para um civil – inclusive, quem advogava isso era um militar, o Costa Cavalcanti, que foi ministro. Uma vez, reuniu nossa turma e disse “Está na hora de entregar para um civil, fazer uma eleição direta, dê no que der e entregar o poder para quem ganhar”. Essa ideia já estava criada, mas havia uma linha-dura no Exército, que, para mim, foi até – vamos admitir – por entusiasmo, por patriotismo demais ou por ambição de postos, que acabou estragando a Revolução.
José Wille – E que acabou se desgastando, o que levou ao crescimento da oposição.
Ítalo Conti – Num desgaste, porque entramos numa guerra suja. Sabe quando é uma guerra de terrorismo, é uma guerra suja? É sujeira de um lado, sujeira de outro. Quando Lamarca matou a coronhadas um tenente na Ribeira, naturalmente veio uma revolta no Exército. Era violência de lá e de cá.
José Wille – Mas que acabou desgastando também o Exército.
Ítalo Conti – Desgastou o Exército, que não estava preparado para isso. Não era coisa de Exército, mas tivemos que entrar.
José Wille – Terminado o governo Ney Braga, veio o período de Paulo Pimentel, no qual o senhor continuou como secretário. Houve um distanciamento entre Pimentel e Ney Braga. Como o senhor ficou, neste momento?
Ítalo Conti – Inicialmente, vou dizer que pouca gente sabe como surgiu a candidatura de Paulo Pimentel no governo Ney Braga. O governo dele tinha uma parte que era do PDC e outra parte que era da UDN. Quando o Ney Braga fez uma reunião do secretariado, seis meses após a posse, cada um de nós fez uma exposição de como ia resolver os problemas que tinha encontrado, que providências iam ser tomadas, e cada um fazia um relatório. Eu fiz sobre a Secretaria de Segurança. E o Paulo foi o que mais impressionou, porque não existia praticamente agricultura nem pecuária no Paraná. Ele se assessorou muito bem por técnicos – acredito que de São Paulo – porque ele era ligado à família Lunardelli, que eram tradicionais lavradores, e apresentou um programa que chamou a atenção de todos. Vimos que o Paulo, realmente, foi quem melhor se saiu nessa reunião. Terminada a reunião, o Ney saiu, pôs a mão no meu ombro e disse “Ítalo, você viu como o Paulo Pimentel foi bem? Viu como esse menino foi bem?” – Paulo era muito moço – “Fique de olho nele, pois, possivelmente, vai ser o meu substituto.” Então, eu disse “Ney, para bom entendedor, meia palavra basta!”.
José Wille – E a versão de que o Aníbal Curi havia lançado Paulo Pimentel, criado o fato, e Ney Braga acabou o apoiando, mas não seria Pimentel o candidato dele?
Ítalo Conti – Não, senhor! A história é diferente. O Paulo venceu as convenções do Partido Democrata Cristão e da UDN. Só que a cúpula dos partidos não aceitava o Paulo e não o registrou. O Aníbal Curi, muito vivo, descobriu isto 24 horas antes de expirar o prazo de registro de candidato. E ele fez uma convenção do Partido Trabalhista Nacional, num escritório no Edifício Asa. Eram 12 pessoas e eu fui representar o governador. Nessa convenção do PTN, tudo direitinho, sacramentado, perfeitamente dentro das disposições legais, foi escolhido o Paulo como candidato a governador pelo PTN. O Aníbal pegou aquela ata, correu para o Tribunal Eleitoral e registrou o Paulo. E o Paulo saiu candidato do PTN, embora a UDN e o PDC o quisessem como candidato. Por isso, ele venceu e, por isso, dizem que foi o Aníbal. O Aníbal atuou muito na área política, como eu atuei na área militar, com o Paulo. Tanto é que o Figueiredo me telefonou, quando era do SNI, e me disse que precisava conversar com o nosso candidato. Aí, eu o peguei no aeroporto e o levei à casa do Canet, responsável pelas arrecadações das contribuições da campanha. E lá o Figueiredo conversou com o Paulo e, na saída, me disse “O rapaz é muito bom. Tem o apoio total da Revolução!”. E aí foi embora. É esse o detalhe.
José Wille – O senhor, sendo próximo de Paulo Pimentel e Ney Braga, como acompanhou a disputa que veio a seguir, que movimentou a política do Paraná?
Ítalo Conti – A disputa foi mais de assessores. Não havia disputa entre o Paulo e o Ney. A gente notava que aqueles assessores, aqueles auxiliares, uns que não foram aquinhoados, uns que esperavam receber e não receberam, uns novos, que chegaram e não conheciam ninguém, criaram um pouco de clima, um pouco de ciumeira entre um lado e outro. Mas eu, como era amigo dos dois… O Ney nunca me proibiu de ser secretário. Ao contrário, ele disse “Ítalo, não vai atrás de fofoca. Eu sei que você é meu amigo. Ajude o Paulo no que você possa ajudar, porque o Paraná é importante!”. E eu não quis ficar na Secretaria de Segurança, fiquei na de Trabalho e Assistência Social, trabalho que gostei muito de fazer.
José Wille – A Secretaria do Trabalho foi importante para iniciar sua carreira como deputado federal, conseguindo um contato grande no interior do Paraná.
Ítalo Conti – Na Secretaria de Trabalho e Assistência Social, eu trabalhei muito na área de assistência social. Então, eu dava muito apoio aos orfanatos, muito apoio a escolas de menores, dava muito apoio aos albergues. Todas as entidades de assistência social e de fins filantrópicos me procuravam e eu praticamente coordenava tudo isso. Isso foi dando substância, além da atuação na Secretaria de Segurança, e, realmente, na primeira eleição, tive 10% de votos em Curitiba. Tive 13.700 votos.
José Wille – O senhor se elegeu em 1970 e ficou 16 anos como deputado federal, por quatro mandatos seguidos…
Ítalo Conti – Quatro mandatos seguidos! No primeiro, fui o segundo; depois, fui o quarto; depois, fui o terceiro; e, na última, fui o penúltimo. Aí, fiz uma autocrítica e achei que deveria ir embora.
José Wille – No seu primeiro mandato como deputado federal, estava no poder o general Emílio Garrastazu Médici, tido como representante da linha-dura do Exército. Que análise o senhor tem do governo dele?
Ítalo Conti – O Médici tinha isso. Ele era muito popular, numa época em que o Brasil teve um salto muito grande na economia – o Milagre Brasileiro. Mas não era muito político. Eu acho até que não gostava de política, porque, por exemplo, ele convidou 30 ou 40 deputados para uma sessão de cinema no Palácio. Ele chegou e não falou nada, cumprimentou cada um, assistiu ao filme e “boa noite, boa noite” – foi embora e pronto.
José Wille – Ele não era de muita conversa?
Ítalo Conti – Não era de muita conversa. Mas ele tinha uma boa imagem. O povo gostava dele. Depois, dificultou um pouco.
José Wille – O senhor acha que o Exército se excedeu na repressão, naquela fase, no começo da década de 70?
Ítalo Conti – Não que o Exército tenha se excedido. O Exército atuou de acordo. O que eu acho é que foi uma guerra suja, violência, de lá e de cá. Porque, quando o Lamarca matou um tenente a coronhada, matou um soldado inocente, na porta do quartel-general, isso caiu violentamente no Exército. O Exército não aceita isso. Por exemplo, Lamarca desertar, levar arma… – nunca houve isso no Exército. Houve deserção, por exemplo, na Revolução de São Paulo, quando desertaram para ir lutar do lado de São Paulo. Mas desertar, levar arma e matar os camaradas, isso não é aceito.
José Wille – Depois de Médici, veio Ernesto Geisel, responsável pelo início da abertura.
Ítalo Conti – Ele não era muito popular, porque, inclusive, uma vez me disse “Eu não quero ser presidente, porque minha cara não ajuda”. Mas eu realmente acho que ele foi um grande presidente. É tudo dentro da conjuntura, o choque do petróleo, essa coisa toda…
José Wille – E foi ele que tomou a decisão para a abertura, apesar das resistências internas no Exército?
Ítalo Conti – Exatamente. Ele determinou a abertura e não gostava da repressão, tanto que, na morte daquele operário em São Paulo, ele tirou o comandante do Exército, que nem sabia de nada, mas isso foi para mostrar que o comandante é responsável por tudo que a tropa faz ou fez.
José Wille – O senhor estava disputando a eleição de 1974 para deputado federal novamente, quando houve o crescimento do MDB. Como era analisada em Brasília, dentro da Arena e do governo militar, aquela votação para o MDB?
Ítalo Conti – É que o povo enjoou da Revolução, enjoou dos políticos da Arena. Então, as bandeiras deles foram as mais populares: voto direto, prestígio dos políticos, tudo isso. As falhas também apontavam como culpada a Arena, naturalmente. Aliás, é um fato natural: você vê, por exemplo, o PT, que está crescendo cada vez mais. Se não tomarem cautela, daqui a pouco o PT pode ser governo.
José Wille – E o governo do general Figueiredo?
Ítalo Conti – O Figueiredo também não gostava de política. A formação dele foi longe da política. Ele estava ali cumprindo uma missão, como se estivesse comandando um quartel –“Recebi essa missão, vamos ver o que eu posso fazer”. Mas que ele gostasse de política, não gostava.
José Wille – Disso o senhor acha que vem aquela franqueza rude com a imprensa, com respostas polêmicas?
Ítalo Conti – É. Cheiro de cavalo… cheiro de povo… Ele era assim. Figueiredo é assim!
José Wille – O senhor ainda estava em Brasília, no começo do governo Sarney, na volta do poder civil?
Ítalo Conti – Ainda estava em Brasília quando Sarney substituiu o Tancredo Neves. Eu acho que o Brasil, na minha opinião, teve duas mortes que selaram seu destino: a de Castelo Branco e de Tancredo Neves. Se esses dois homens não tivessem morrido, o Brasil hoje seria outro. Poderia ser até pior, mas seria outro. Porque o Tancredo Neves tinha outra autoridade, outra visão, não ia permitir, pelo que conheci dele, uma constituição como essa. E Sarney deixou… Ulisses Guimarães foi dominado pela esquerda maluca que estava lá dentro e o resultado foi uma constituição que parece um compêndio de 300 páginas.
José Wille – Os ex-deputados que estiveram em Brasília no governo militar reclamam que tinham apenas um papel simbólico, sem poder de decisão. O senhor, por ser também um militar, acha que isso facilitava na representatividade paranaense como deputado federal?
Ítalo Conti – Acho que facilitava, porque, em primeiro lugar, havia uma certa disciplina, pois quem fosse o líder comandava a bancada. Discutíamos entre nós, mas, na hora em que o líder decidia, nós o apoiávamos. Então, o trabalho era facilitado, não havia tantos partidos. Hoje, há controvérsias. Não havia tanta mudança de partido – lembro só de Teotônio Vilela. Ninguém mudava de partido.
José Wille – Depois do afastamento, surgiu o convite do prefeirto Cássio Taniguchi para que o senhor fosse o administrador geral do Portão.
Ítalo Conti – Eu nunca fui aquele homem – como se diz – de ler, meditar e esperar a morte. Nunca fui isso! Eu sempre fui homem de acompanhar os jogos do meu Atlético; da Sociedade Socorro também participo; sou do Lions; cuido da Casa do Expedicionário; sempre estou na Boca Maldita conversando… Eu não fico em casa – inclusive, tenho um escritório no Edifício Asa e atendo todo o pessoal que vai lá. Então, não tenho uma vida que seja apática. Sempre estou me movimentando de um lado para outro. Aí, ele me convidou para ser administrador geral do Portão. E estou ajudando, estou gostando… Acho que posso cooperar, porque tudo depende de você ter espírito público, fazer uma coisa pelo bem da cidade que eu adoro, que é Curitiba. E o Cássio é meu amigo. Já fiz viagem com ele para o Japão, estou procurando ajudá-lo e, até agora, não tive nenhum sinal de que não esteja ajudando.