O ex-governador Emílio Gomes era deputado federal, na época da tomada do poder pelos militares. Nesta conversa, gravada em 1997, ele contou como foi aquele dia em Brasília. A entrevista é da coleção de livros “Memória Paranaense”.
Emílio Hoffmann Gomes formou-se em 1949, pela Faculdade de Engenharia do Paraná. Em 1961, disputou uma vaga de deputado federal pelo Partido Democrata Cristão, cargo que ocupou por três legislaturas seguidas. Com a morte do governador do Paraná, Pedro Viriato Parigot de Souza, Emílio Gomes foi eleito indiretamente, pela Assembleia Legislativa, para cumprir o restante do mandato. Aposentou-se da vida pública como auditor do Tribunal de Contas do Paraná.
José Wille – O senhor nasceu em Ponta Grossa, mas sua família é de Irati…
Emílio Gomes – Exatamente. Meus avós maternos, oriundos da Rússia, moravam em Ponta Grossa. Minha mãe para lá se dirigiu por ocasião do parto e, assim que nasci, em 1925, passado o período de resguardo, retornamos a Irati, onde vivi toda minha infância.
José Wille – Irati era uma pequena cidade, mas tinha uma atividade econômica com a madeira e a erva-mate.
Emílio Gomes – É verdade. Irati era próximo a Teixeira Soares, a maior cidade do Sul do Paraná naquela época, cuja economia se baseava em erva-mate e madeira. Posteriormente, com o fim do ciclo da erva-mate e da madeira, Teixeira Soares teve seu crescimento paralisado, chegando até a regredir. Uma das poucas cidades do Sul que teve progresso, continuando com agricultura de manutenção, na base da pequena propriedade, foi Irati. E também, mais ao Sul, União da Vitória.
José Wille – E as principais atividades da sua família eram a erva-mate e a madeira?
Emílio Gomes – Meu avô, Emílio Batista Gomes, que era espanhol, fixou-se em Irati com a finalidade de suprir a ponta dos trilhos da estrada de ferro, mantendo um armazém na cidade para os empregados da ferrovia. Posteriormente, dedicou-se à indústria extrativa da madeira.
José Wille – O senhor veio, mais tarde, para Curitiba, para o Internato Paranaense.
Emílio Gomes – Exatamente. Eu fiz o ginásio no Internato Paranaense e, posteriormente, o curso preparatório. E, de 1945 a 1949, estudei na Faculdade de Engenharia da Universidade Federal do Paraná.
José Wille – E depois veio uma grande fase de trabalho em construção de estradas, que, mais tarde, o senhor adotou como atividade empresarial também.
Emílio Gomes – Minha vida profissional foi praticamente só rodovia. Eu iniciei a construção de estrada ainda no tempo do burrinho, de gaiota e, posteriormente, já mecanizada. Exerci atividades nesse setor, construindo a estrada de Irati a Relógio; em Santa Catarina, o contorno de Lajes; no norte do Paraná, na BR-153, e várias outras também. Entrei como empregado contratado pela Companhia Paranaense de Obras e Melhoramentos e, posteriormente, passei a ser responsável técnico e sócio dessa firma. Minha atividade resumia-se a terraplenagens e obras de arte corrente. A parte de superestrutura de asfalto não existia naquele tempo.
José Wille – O fato de ter sido presidente do Sindicato dos Engenheiros foi decisivo para seu ingresso na política?
Emílio Gomes – Eu creio que sim. Eu fui escolhido e eleito presidente do Sindicato dos Engenheiros do Paraná. E, por ocasião de um movimento de politização de engenheiros, idealizado por um grande amigo de saudosa memória, o Guilherme Braga Sobrinho, fui escolhido, através de um pleito no Instituto de Engenharia do Paraná, para concorrer à Câmara Federal. Pretendíamos levar os engenheiros a ocupar alguns postos eletivos, não sem antes termos passado por uma fase que chamávamos de politização de engenheiros, cujo objetivo era a militância em partidos políticos, independentes de cor ou de ideologia, no sentido de que pudéssemos levar uma cooperação, uma contribuição na escolha de candidatos aos diversos cargos eletivos, em todos os níveis. Testamos a nossa capacidade através desse pleito de 1963.
José Wille – Foi a sua primeira candidatura e o senhor se elegeu deputado federal?
Emílio Gomes – Minha primeira candidatura.
José Wille – Em Brasília, como foi a sua experiência, porque, logo a seguir, em 1964, houve a tomada do poder pelos militares. Como foi esse primeiro ano, em um período de muita instabilidade do governo João Goulart, com o qual o senhor conviveu?
Emílio Gomes – Em termos de política nacional, a gente vivia o clima de então, com apreensão – aquele movimento do João Goulart, os comícios na Cinelândia, dia 13 de março de 1963, aquela questão dos sargentos da Marinha… O Congresso encontrava-se inteiramente agitado, com as figuras máximas dos partidos dominantes defendendo suas posições a favor de João Goulart, a favor da reforma agrária, contra isso, contra aquilo. Muitos até preocupados com a situação nacional, com a expectativa de uma revolução esquerdista. Falava-se muito na comunização de Goulart. Foi procurando se cercar do governo para demonstrar que estava forte que o João Goulart conseguiu bastante apoiamento. E o outro lado, que pretendia a substituição, em virtude das posições tomadas pelo governo com essas manifestações populistas, procurava demonstrar o contrário. Uns procurando trazer partidários ao governo, para fortalecê-lo mais; outros procurando fortalecer a oposição, para enfraquecer o governo.
José Wille – A articulação para a Revolução de 1964 foi visível para os deputados ou pegou boa parte deles de surpresa?
Emílio Gomes – Se foi, eu não vi. Talvez, pela minha inexperiência, não tenha observado o que se passava nos bastidores.
José Wille – Para o senhor, foi uma surpresa quando viu a movimentação?
Emílio Gomes – Para mim, foi. A movimentação eu vi mesmo no dia 31 de março.
José Wille – Como foi esse dia? Do que o senhor se lembra da movimentação militar e da tomada de poder?
Emílio Gomes – Aquele dia foi bastante agitado. Eu fazia parte da administração da mesa da Câmara dos Deputados e fomos convocados a comparecer ao Congresso no horário fora da reunião normal. E o objetivo era ter o maior número possível de deputados de nossa ala comparecendo na sessão que teria lugar mais à noite.
José Wille – Em que partido o senhor estava na época?
Emílio Gomes – Eu estava no Partido Democrático Cristão.
José Wille – A mobilização era em que sentido?
Emílio Gomes – No sentido de que os correligionários mais ligados a nossa ala formassem um grande bloco dentro do plenário do Congresso, porque a sessão seria do Congresso Nacional, convocado pelo então presidente do Congresso, o senador Áureo de Moura Andrade.
José Wille – A notícia da mobilização militar – como chegou até o senhor?
Emílio Gomes – Fomos convocados a chamar os colegas partidários para comparecer em massa ao Congresso. Eu não imaginava que o desfecho fosse aquele. Eu acreditava que fôssemos tomar outra posição. Quando o presidente abriu a sessão, disse “Comunico ao Plenário que o senhor presidente da República, João Goulart, afastou-se do país sem o devido licenciamento do Congresso Nacional, motivo que o coloca impossibilitado de continuar a presidir essa nação. Assim sendo, declaro vaga a presidência da República e convoco os senhores deputados a comparecerem ao Palácio Alvorada para a posse do substituto legal, o presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Ranieri Mazzili”. E deu por encerrada a sessão. Esse foi um momento em que todo o Congresso foi tomado de surpresa, naturalmente. Todos avançaram para a mesa e o senador Áureo de Moura Andrade foi aconselhado a sair por uma porta atrás da mesa, que ficava no alto. Ele se negou e saiu pela frente, enfrentando, pois tinha uma personalidade muito grande. Encarou todo mundo, saiu e nada ocorreu contra ele.
José Wille – Mas os deputados já tinham a noção da mobilização militar, do tamanho dessa mobilização pelo país?
Emílio Gomes – Alguns tinham, os mais chegados tinham. Eu não tinha conhecimento, então.
José Wille – Qual era a sua preocupação naquele momento?
Emílio Gomes – A minha preocupação era que se mantivesse o clima da democracia. Mais tarde, comuniquei minha família – “Olha, possivelmente nós tenhamos que encerrar aqui nossa presença em Brasília. Vamos nos dar por felizes, por satisfeitos e vamos ter que recomeçar tudo”.
José Wille – O que os deputados pensaram em fazer naquele momento, quando não existia a consciência do que aconteceria politicamente com o Brasil?
Emílio Gomes – Os deputados foram convocados pelo presidente do Congresso Nacional a comparecer ao Palácio do Planalto, para a posse de Ranieri Mazzili. A Constituição prevê que, na falta ou impedimento do presidente ou vice-presidente, os substitui o presidente da Câmara dos Deputados, que, em 30 dias, providenciará a eleição do substituto legal, por eleição indireta do Congresso Nacional. E o Ranieri, então, assumiu na qualidade de substituto legal constitucional do presidente. Dirigimo-nos aos corredores do Congresso e, com a preocupação das possíveis reações do poder armado, atravessamos os jardins e a Avenida da Esplanada dos Ministérios até o Palácio.
José Wille – Os deputados chegaram a se armar?
Emílio Gomes – Eu mesmo tinha um revólver em punho, recém-comprado. A preocupação era com qualquer reação que fosse, porque íamos assistir a um ato de posse de um presidente que não era o da facção recém-deposta.
José Wille – Chegavam a Brasília com exatidão as notícias sobre a mobilização militar no Brasil?
Emílio Gomes – Só posteriormente chegaram as notícias – de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e do Paraná também. A preocupação que havia com a posição dos líderes regionais – Magalhães Pinto apoia ou não apoia? Como está Ney Braga no Paraná? E no Rio Grande do Sul, com o líder populista Brizola a conclamar o povo a tomar as armas, a manter o presidente Goulart?
José Wille – E depois dessa caminhada para o Palácio?
Emílio Gomes – Ao tentar descer a rampa que leva à garagem do Palácio do Planalto, fomos impedidos por uma sentinela em posição de tiro com uma metralhadora. Mas o deputado Costa Cavalcanti bradou “Não atire! Chame seu oficial do dia!”. E a sentinela, ouvindo uma voz de comando que lhe era familiar como militar, chamou o oficial do dia, com quem dialogamos. Então, descemos a rampa e tentamos subir no elevador, mas os elevadores estavam todos bloqueados. Posteriormente, vimos que, antes de o Palácio ser abandonado, haviam sido colocadas cadeiras, impedindo que as portas se fechassem e, consequentemente, imobilizando os elevadores. Fomos até o quarto andar, onde ainda estava o chefe da Casa Militar do João Goulart, pois nós não conhecíamos o Palácio. Depois, descemos até o terceiro andar, que era o gabinete de despacho do presidente da República, e lá já estavam o Áureo de Moura Andrade, presidente do Congresso, o Afonso Celso, vice-presidente da Câmara, e outros líderes de vários partidos de apoiamento da UDN, do PSD, da situação de Ranieri Mazzili – quer dizer, contra o João Goulart. Quando questionado por Afonso Celso se não deveríamos proceder à posse imediata do Mazzili, o senador Áureo de Moura Andrade disse “Vamos aguardar a vinda do chefe da Casa Militar e do presidente do Supremo Tribunal para legalização da posse do presidente”. E aguardamos. Nessa ocasião, Afonso Celso falou baixo no meu ouvido “Está armado? Porque o chefe da Casa Militar diz que vem depois, mas vem para prender todo mundo”. Mas foi um engano total. Nós estávamos, inclusive, bloqueando a porta para evitar que alguém chegasse ali. E quem chegou foi o chefe da Casa Militar do futuro governo do Ranieri Mazzili. Foi tranquilo. Passamos a madrugada toda montando guarda no gabinete do presidente, até que, no raiar do dia, começaram a chegar as tropas para montar guarda e, ainda assim, não sabíamos se eram a favor ou contra.
José Wille – Até esse momento não era visível a presença militar, ostensivamente, nas ruas de Brasília?
Emílio Gomes – Não, não era. Não se notou nada quando atravessamos o espaço entre a Câmara dos Deputados, passando através até do anexo do Senado. Nos jardins do Congresso, só tinha militar da guarda do Palácio.
José Wille – Na madrugada do dia seguinte, Brasília começou a ser tomada pelos militares, que chegavam para ocupar a capital?
Emílio Gomes – Essa movimentação me fez recordar um fato curioso: quando dirigíamos a Câmara dos Deputados, naquele período conturbado, na Estação Rodoviária de Brasília sempre se reuniam uns populares, que, lá de cima, jogavam pedras e paus quando passávamos de carro. Havia um movimento. Todos, afinal de contas, estavam contra essa situação que tentava se impor. Na posse do Castelo Branco, já eleito por via indireta, o novo presidente subiu ao Parlatório do Palácio do Planalto e as tropas, em frente ao Palácio, desfilavam, mas a multidão em frente ao Supremo Tribunal, que esteve 2, 3 dias, uma semana nos atirando pedra, estava lá aplaudindo o presidente que foi eleito. Qual foi o milagre? O mesmo povo que ontem atirava pedra hoje aplaudia!
José Wille – Em que momento houve a desmobilização dos deputados, tentando preservar o poder civil?
Emílio Gomes – Eles, relativamente, continuaram sua luta, procurando, através de seus meios democráticos, galgar posições. No dia seguinte a essa noite, encontrei com um deputado do PTB de Minas Gerais, João Erculino, um ardoroso defensor e fã incondicional de João Goulart. De Juscelino, então, nem se fala! E ele me pegou pela lapela e disse “Emílio, o que o Juscelino fez para ser cassado? Se vocês provarem, eu me conformo!”. E eu não sabia por que ele fora cassado.
José Wille – E esse período de cassação que veio logo a seguir? Como foi, para a classe política, receber as notícias da tantas cassações?
Emílio Gomes – Não com facilidade, não com simpatia. Quando companheiros eram atingidos, a gente sentia. Teve um fato com o Teodoro Cavalcanti, quando ele foi cassado: ele fez ameaças, dizendo “Vou fazer um discurso, vou à Tribuna antes que seja publicada minha cassação! Vou dizer que a um homem de bem atingido por esta medida só resta uma atitude: dar um tiro na cabeça!”. E ia entrar armado. E foi impedido, naturalmente. Mas ele estava fazendo um pouco de fantasia. Aí, posteriormente, ele se recolheu tranquilamente. Falei com ele na casa dele, pedindo calma. Ele estava tranquilo, aceitando a cassação tranquilamente.
José Wille – Como era ser um deputado federal num período de repressão?
Emílio Gomes – A figura do parlamentar, realmente, ficou bastante diminuída. A sua expressão como um detentor de um mandato eletivo ficou reduzida à aprovação de medidas que o próximo governo mandava. Desconheço, em todo esse período, qualquer medida legislativa de origem de algum parlamentar que tivesse sido aprovada.
José Wille – Como era o clima entre os deputados? Houve conformismo?
Emílio Gomes – Acredito que sim, mas houve, principalmente, aquele desejo de manter a democracia e manter o Congresso, que era, como se dizia, “uma caixa de ressonância de tudo que acontece na nação”.
José Wille – O antigo MDB foi formado naquela época, enquanto o senhor estava na Arena. Como era a atuação desses deputados? Muito em cima de discursos e posicionamentos, mas com pouca possibilidade de atitude?
Emílio Gomes – Sim. Alguns discursos eram até com bastante ênfase, bastante força e violência de ambos os lados. Os da oposição não se intimidaram com o fato de serem da oposição. Eles mantinham sua crítica e votavam creio que de acordo com seus princípios e seus pensamentos.
José Wille – A ideia era que aquele período seria curto?
Emílio Gomes – Esperava-se que fosse. A ideia era essa mesma – de que se extinguiria com Castelo Branco.
José Wille – Depois, veio o governo de Costa e Silva, o caso do discurso do deputado Márcio Moreira Alves e uma crise com medidas ainda mais duras.
Emílio Gomes – Vieram os Atos Institucionais, que redundaram em cassação – dizia-se então – de elementos subversivos, elementos corruptos. Nem tantos como nós vimos depois, não é? Mas o fato que você relatou foi a tentativa de cassação do Márcio Moreira Alves, um deputado que fez um pronunciamento ofensivo às Forças Armadas, o que causou um processo para cassação do seu mandato. O fato curioso a ser relatado é o que ocorreu na Comissão de Constituição e Justiça. Era sabido que o projeto de cassação seria reprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, constituída por homens de alto gabarito, de saber jurídico, que iriam dar um voto para os anais e que não seria o voto político dado no Plenário. Então, era tido como certo que o Márcio ganharia na Comissão e perderia no Plenário, no voto secreto. Mas o governo, numa manobra infeliz, substituiu os membros titulares da Comissão de Constituição e Justiça por membros que pudessem votar a favor da cassação. Djalma Marinho, presidente da CCJ, virou o busto de Rui Barbosa contra a parede, para que não presenciasse o que iria se passar naquela comissão, e renunciou à presidência. E, de fato, a Comissão rejeitou a cassação.
José Wille – O senhor foi deputado federal por três vezes. Um ponto importante foi a mudança do traçado da 277, conseguindo um desvio para não passar por Ponta Grossa, mas indo pela sua região – a de Irati – em linha reta de Curitiba a Foz do Iguaçu.
Emílio Gomes – Este traçado já existia desde o tempo do Império, quando se falava na linha do Paralelo Médio, que era exatamente este que saía de Paranaguá, entre os paralelos 23 e 24, por trás cortava Curitiba e Irati e ia até Foz do Iguaçu. Fiz constar no Plano Nacional de Viação o trecho Irati a Relógio, compondo a antiga BR-35, hoje 277, ligando esses dois pontos.
José Wille – O governador Paulo Pimentel foi eleito em 1965 e assumiu em 1966. Depois disso, houve, no final de 1969, a indicação indireta de Haroldo Leon Peres. Como o senhor acompanhou esse momento?
Emílio Gomes – Na ocasião, eu era secretário da mesa dos deputados e o Haroldo estava sempre presente na secretaria. Certa vez, ele me consultou sobre a possibilidade de auxiliá-lo em sua luta pelo governo, pois ele estava pleiteando a indicação. Ele era vice-líder da Arena na Câmara dos Deputados e tinha uma atuação meio presente, bastante boa até.
José Wille – Mas essa indicação ao cargo de governador não passou pelas lideranças políticas regionais do Paraná.
Emílio Gomes – Eu falei da posição dele perante o Congresso, perante o governo federal, mas não com relação às lideranças regionais.
José Wille – Foi uma surpresa, então, quando veio, através de Brasília, a indicação dele, por meio dessas articulações?
Emílio Gomes – Para nós aqui, foi. Não se esperava que fosse ele o indicado. O presidente Emílio Garrastazu Médici reuniu, no Palácio, os mandatários da Arena, os senadores João de Matos Leão e Acyolly Filho, e comunicou aos paranaenses que havia escolhido para exercer o governo do Paraná o deputado Leopoldo Peres. O senador Matos Leão disse “Mas, presidente, Leopoldo Peres, um deputado do Amazonas?”. E o presidente – “Ah, não. É Haroldo Leon Peres!”.
José Wille – Nessa época, havia pouca força regional. Ney Braga, que teve força política em Brasília, estava em má fase com o governo federal.
Emílio Gomes – O governador Ney Braga tinha uma posição excelente quando o Castelo Branco foi presidente. Ele era da ala do Castelo e do general Ernesto Geisel. Mas, já na ala do presidente Costa e Silva, não acontecia isso – motivo pelo qual ele não tinha poderes que pudessem influir em uma indicação. Ele, realmente, pretendia que o governador fosse o Jayme Canet Júnior.
José Wille – Mas não conseguiu, naquele momento. E aí assumiu o Haroldo Leon Peres, que foi logo afastado pelo próprio governo militar.
Emílio Gomes – Eu ainda estava como deputado federal. E foi levado ao meu conhecimento, pelo presidente de uma firma de consultoria, um problema de obras aqui no Paraná, ocorrido entre ele e o irmão do Haroldo. Eu levei este fato ao professor Parigot de Souza, que era vice-governador do estado, o que veio a redundar, posteriormente, na renúncia do governador Haroldo Leon Peres.
José Wille – Então, o professor Parigot de Souza assumiu o governo do estado. E morreu em 1973, quando o senhor veio a ser governador do Paraná, em substituição. Como isso dependia de Brasília, há informações de que Costa Cavalcanti, que tinha sido deputado junto com o senhor, teria sido responsável pela sua indicação.
Emílio Gomes – Foi. Foi exatamente isso. O professor Parigot de Souza faleceu, abriu-se a vaga e, constitucionalmente, assumiu o governo o deputado João Mansur, também iratiense. Ele, na qualidade de governador em exercício, providenciou a eleição de um novo governador, que seria eleito da forma indireta, conforme mandava a Constituição, por meio da Assembleia Legislativa. E o meu nome foi indicado, segundo me consta, por Carlos Cavalcanti ao presidente Emílio Garrastazu Médici.
José Wille – Não houve a participação de lideranças regionais paranaenses nessa indicação? Ela partiu do apoio do ministro Costa Cavalcanti, que era militar?
Emílio Gomes – Assim eu acredito. Mesmo que o próprio governador Ney Braga lutasse pela indicação de Jayme Canet Júnior.
José Wille – …Que só mais tarde veio assumir como governador.
Emílio Gomes – Mas ele fez a indicação de Jayme Canet como vice-governador.
José Wille – Em agosto de 1973, o senhor assumiu o governo do estado por dois anos. O que o senhor julga, hoje, que foi importante, além da Ferrovia Central do Paraná?
Emílio Gomes – A importância principal foi trazer ao Paraná um pouco de tranquilidade, num quadriênio bastante conturbado por causa do período de Haroldo Leon Peres e, depois, com a doença persistente de Parigot de Souza. Procurei fazer um governo tranquilo, procurei trazer otimismo para o paranaense. Como eu havia recebido o governo de Parigot de Souza, que teve a coragem de parar para pensar, refazer as finanças e planejar, não tive que me preocupar com esse lado e, sim, somente realizar alguma coisa que pudesse marcar. Como o tempo era pequeno, procurei obras que estavam paradas há 40 ou 50 anos, como a estrada de ferro Central do Paraná, o Teatro Guaíra, para poder dar um fim nessa obras, porque me lembrava dessas obras paralisadas desde o início da minha vida profissional – desde o tempo de Moisés Lupion, que iniciou a Central do Paraná, e do tempo de Bento Munhoz da Rocha Neto, com as obras do cinquentenário do Teatro Guaíra. Este, o governador Paulo Pimentel tentou concluir. Levou as obras adiante e, quando estava prestes a inaugurá-lo, houve um incêndio, que destruiu grande parte do grande auditório e deixou as obras anos e anos paradas. As obras recomeçaram e só no final de 1974 pude inaugurá-lo. E quanto à estrada de ferro Central do Paraná, concluímos as obras, mas ainda faltou a parte de consolidação do leito dos trilhos. Mas foi ligado o último trilho, foi dada continuidade ao tráfego da Central do Paraná. E outras obras também nós conseguimos.
José Wille – Na época, Jaime Lerner era prefeito de Curitiba pela primeira vez e estava desenvolvendo a Cidade Industrial de Curitiba. O senhor trabalhou, através do governo, dando apoio a essa iniciativa?
Emílio Gomes – Sim. O Jaime Lerner, em audiência normal, em despacho normal no Palácio, solicitou o apoiamento do governo para a conclusão das obras da Cidade Industrial. O projeto já fora apresentado ao Parigot de Souza, que deu todo o apoio – somente faltava algum apoiamento de material. Então, foram deslocados o DER, a Sanepar e a Copel para apoiamento das obras para a conclusão da notável ideia da Cidade Industrial.
José Wille – No segundo ano do seu governo, veio a eleição de 1974, quando o MDB cresceu. Até a candidatura pela Arena de João Mansur, que era tido como certa, perdeu para a de Leite Chaves, ainda desconhecido. Como explica, hoje, o crescimento da oposição, representada pelo MDB?
Emílio Gomes – Hoje, eu posso explicar, mas, na hora, eu não entendi. Eu fiz a indicação de João Mansur, acreditava na sua vitória, dado seu livre trânsito no território paranaense entre os prefeitos, pois tinha sido por várias vezes deputado estadual, foi presidente da Assembleia Legislativa… Eu acreditava piamente na sua eleição. E fiquei surpreso! Algumas vezes, o Affonso Camargo Neto me chamava a atenção, mandava fazer pesquisas e me dizia “Olha, não é bem assim a situação.” E eu não acreditava, não aceitava. Para mim, foi uma grande surpresa quando Leite Chaves ganhou aquela eleição para o Senado.
José Wille – Houve a abertura para a propaganda política na televisão, naquele momento. Esta abertura, com a oposição indo para a televisão, além do descontentamento que existia com a inflação, foram fundamentais?
Emílio Gomes – Houve uma saturação, creio eu, da população com o governo de então. O Ulisses Guimarães me confidenciou “Olha, Emílio, insistiram que eu fosse candidato ao Senado, e eu não quis, não aceitei”. O Orestes Quércia entrou – e olha que se ele fizesse a maior barbaridade no palanque, ninguém tirava a eleição dele. Também foi eleito da mesma forma. Houve uma saturação… O povo queria mudar, como depois mudou. Como também aconteceu com o próprio MDB, que governou e depois saturou.
José Wille – O senhor ficou dois anos no governo e poderia ter articulado sua própria candidatura para mais um período. Por que o senhor não fez isso?
Emílio Gomes – Eu achava que o Paraná não podia sofrer mais uma solução de continuidade. Houve sete meses com o governo Leon Peres e dois anos e oito meses com o Parigot de Souza. Para que eu pudesse me candidatar, teria que renunciar seis meses antes das eleições de outubro de 1974. Tinha que sair lá por abril ou maio de 1974. Teria que haver uma nova eleição direta e um novo governador para cumprir aquele fim de mandato. E eu achei que o Paraná não merecia mais uma queda assim.
José Wille – Quando veio o governo Geisel, o Ney Braga foi para o ministério e levou boa parte de seu secretariado.
Emílio Gomes – Sim, mas foi um momento grato ao Paraná. O Paraná sempre se negou a fornecer pessoal técnico ao governo federal e eu, no meu período de deputado, sentia a falta dessa presença paranaense, até nos escalões inferiores. Os nossos processos eram retidos por funcionários de outros estados, pois eram eles que comandavam. Eu sempre fui defensor da assunção de pessoas nossas ao plano federal, no sentido de melhor amparar o Paraná. Quando o presidente Geisel assumiu e soubemos que o Ney Braga iria assumir o ministério, percebi que teríamos facilidade de trânsito. Combinei com a equipe que, se houvesse algum convite, seria aceito. Embora o governo pudesse ser prejudicado por isto, o Paraná seria beneficiado e eles também, pessoalmente, teriam maior projeção na sua vida profissional, funcional e tudo. Então, eu não impediria que eles fossem. Aceitaria a situação e de fato assim aconteceu. Foram vários convidados – Euro Brandão que havia sido secretário de Transportes, Mauricio Schulmann, Rischbieter, Ivo Moreira…
José Wille – O senhor terminou o período à frente do governo do Paraná e ainda teve uma época no Banco do Estado do Paraná, no governo seguinte. E, mais tarde, esteve no Tribunal de Contas, onde ficou por seis anos.
Emílio Gomes – O governador Jayme Canet me designou como presidente do Banco do Estado e fiquei lá mais ou menos sete meses. E depois, por cinco ou seis anos, permaneci no Tribunal de Contas.
José Wille – Como o senhor analisa hoje a presença do Paraná em Brasília? Há uma visão crítica de que o Paraná não tem presença efetiva e, muitas vezes, até perde, pois envia mais do que recebe para Brasília.
Emílio Gomes – Eu tenho visto que a posição do Paraná no cenário nacional tem crescido em quantidade e qualidade. Hoje, a nossa presença é bem melhor, temos elementos mais expressivos, mais combativos na primeira linha do governo federal. Na administração federal, de um modo geral, em ministérios, na economia mista e em bancos, cresceu bastante.
José Wille – O senhor acha que o Paraná começa, mesmo que devagar, a ter essa presença?
Emílio Gomes – Sim. A única coisa é que não precisamos nos deixar levar pela cantilena do nordestino, que diz “O Paraná é rico, vocês não precisam”. A gente estufava o peito e deixava, e eles levavam para lá as coisas. Temos que ver que necessitamos também desses benefícios, senão ficaremos como o Nordeste também aqui.