Centenário do ex-governador do Paraná e ministro Ney Braga

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Dia 25 julho é a data do centenário de nascimento do ex-governador e ministro, Ney Braga. Na entrevista abaixo, gravada em 1998, ele fala de sua carreira política, e dos fatos históricos dos quais participou.

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Ney Aminthas de Barros Braga foi um dos mais influentes políticos do Paraná: Prefeito de Curitiba, deputado federal, senador e governador. Foi também ministro da Agricultura, ministro da Educação e presidente da Itaipu Binacional. Morreu em 06 de outubro de 2000.

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José Wille – Vamos iniciar falando do significado de sua cidade natal, a Lapa.

Ney Braga – Significou muito, porque eu passei a minha infância até os nove anos na Lapa. E lá fui aluno do Colégio São José e depois do Grupo Escolar Dr. Manuel Pedro. Convivi com companheiros de todas as classes, então eu me habituei a viver com gente, dos bem pobres até os mais ricos. Vivemos como amigos, como companheiros, e aprendi com os professores que é importante a gente querer bem aos outros. O amor é fundamental. E também o processo de estudo. Eu tinha uma professora, Emília Monteiro, que me ensinava muito, inclusive em casa. Ela era minha prima, prima da minha mãe. Ela me ensinava, e eu aprendi a estudar. Tive que sair da Lapa muito cedo. Mas a Lapa foi útil, porque como referência histórica eu ouvia muito. Apesar de criança, minha avó, que perdeu o marido no Cerco da Lapa, contava muitas histórias do meu avô. Fui aprendendo a história da Lapa e convivendo com meu pai, que trabalhava em uma padaria. Era um homem muito trabalhador, muito amigo, muito aberto, muito simples. Comecei a aprender assim a vida, no sentido da simplicidade, da humildade e do amor ao próximo. Isso foi o que a Lapa me ensinou: a história e a vida dos primeiros anos de minha infância.

José  Wille – Era uma cidade bastante pequena, onde todo mundo se conhecia.

Ney Braga – Todo mundo se conhecia. Lembro-me até a quem chamavam Neguinha de Inharda. Morava no fundo da minha casa, ela era uma arrumadeira. E lá do outro lado da cidade era o Engenho do Lacerda. Era uma cidade em que nós vivíamos juntos, brincávamos juntos –  por exemplo, no domingo de manhã, todos ali na praça onde hoje tem uma homenagem ao General Carneiro. Ali se reunia o pessoal todo, desde os Muscaleski, os Cliver, os Wille, você sabe disso… E todo o pessoal, os Braga, os Lacerda, todo mundo ali no campo onde hoje é o Panteon, onde jogávamos futebol. Desde os 7, 8 anos, vivíamos juntos. Era uma cidade absolutamente aberta, pequena e era uma alma só, a Lapa.

José  Wille – O que pesou na escolha da carreira militar?

Ney Braga – Nessa primeira etapa, eu não pensei. Como eu precisava estudar para entrar no segundo grau e tinha um primo que me ensinava matemática e que era tenente do exército, Osmário Faria Monteiro, quando ele se mudou, para servir em Castro, pois era da Cavalaria, ele me convidou. Pediu para minha mãe e para meu pai para eu ir com ele e, então, fui para Castro com o tenente Osmário. Talvez aí começasse assim um sentido de direção. O Osmário me ensinava muito. Em Castro, fui aluno do Colégio São José. Em férias, eu vinha à Lapa, mas depois vim para Curitiba. E aqui eu estudei no Ginásio Paranaense. Estudei no Novo Ateneu um pouco, depois fiz o exame de admissão e fui para o Paranaense. Estudei no internato e lá aprendi muito com os padres e com os professores – a importância da vida em comum e da vida servindo ao próximo. Amar ao próximo foi fundamental no meu ensino de primeiro e segundo graus.

José  Wille – Como foi a influência do seu pai em sua vida política? O fato de orientá-lo para que tivesse uma boa convivência?

Ney Braga – Dr. Pedro Calmon fez até, em uma ocasião, um discurso para mim, dizendo que nasci sob o signo da conciliação, porque papai é Lacerda Braga – e na, Revolução, os Lacerda eram de um lado e os Braga, de outro lado. Então, já como cadete, quando saía de casa, muitas vezes meu pai dizia “se você for ao clube União, vá ao Congresso”, porque um era dos Lacerda e o outro era dos Braga. No baile do dia 31, ele dizia: “Fica até meia-noite no Congresso e depois vá para o União”. Para conviver bem! E eu convivia muito bem com os Lacerda e com os Braga. Nós brincávamos juntos e a Revolução não causou essa separação entre nós. Como jovens e como moços, nós nos dávamos muito bem.

José  Wille – Saindo da cidade da Lapa, que era muito pequena, e indo para o Realengo, no Rio de Janeiro. Como foi o primeiro momento, na vida militar e na grande cidade?

Ney Braga – O importante é que eu pensava em estudar Engenharia. Depois de uma certa hora, pensei no curso da Escola Militar, vendo talvez aqui em Curitiba os militares e relembrando do Osmário… O Laje me deu uma passagem de navio e eu fui para o Rio. Foi uma passagem de certo modo difícil, porque eu morava no Rio na casa de uma promotora que foi da Lapa, dona Maria Alexandrina Ferreira das Chaves, que tinha um irmão que também iria fazer o concurso para a Escola Militar. Morei com eles e fiquei mais vocacionado ainda para o ensino militar. Eu ainda tinha certas dúvidas se iria para a Engenharia ou para a Escola Militar. Mas, a certa altura, decidi pela Escola Militar. E de lá saí aspirante. Tirei o curso militar no Realengo, com uma turma muito boa. Até publiquei no meu livro todos os nomes das turmas, pois todos nós éramos muitos amigos, uma turma de muitos camaradas.

José  Wille – Mas em uma disciplina diferente, na carreira militar, o começo não deve ter sido fácil.

Ney Braga – Não foi fácil, não, não foi. Inclusive eu estranhava muito, porque era muito longe. Eu cheguei a morar no Realengo e ia estudar no centro da cidade, pegando o trem às 6 horas da manhã, vinha para a cidade, almoçava em um tipo de restaurante, desses populares, e voltava de tarde para o Realengo. Você pode imaginar: passava o dia inteiro na cidade, porque tinha curso de manhã e à tarde, e depois voltava para o Realengo.

José  Wille – Voltando para Curitiba, como foi a continuidade da carreira militar?

Ney Braga – Eu vim para Curitiba aspirante. Servi no velho 9º RE, ali na praça Oswaldo Cruz, como aspirante, e fui muito bem comandado pelos oficiais que nos formaram. João da Silva Rebelo foi meu capitão, um homem extraordinário, até hoje a família dele está em Curitiba e ele já faleceu há algum tempo. Era realmente muito interessante conviver com eles. O Italo Conti, por exemplo, era meu companheiro de turma, convivíamos juntos; João Teixeira Costa e vários companheiros assim… Então, a certa altura, conheci minha primeira esposa. Quando estava começando o namoro, fui para Santo Ângelo. Meu sogro queria que eu só me casasse muito tempo depois. Mas eu sozinho em Santo Ângelo, promovido a segundo tenente, me sentia muito só. Morava no quartel ou morava em uma pensão. E isso foi me deixando assim… Aluguei um apartamento e comecei a pedir para meu sogro que me deixasse casar antes. Eu era muito moço. Meu sogro, a certa altura, viu que eu pedia, que ela pedia e deixou. Quando casei, tinha 22 anos e minha primeira senhora tinha 17. Quando voltei para Santo Ângelo das férias, já estava casado. O comandante disse “Ney, isso aqui não é jardim de infância”. Mas nós ficamos em Santo Ângelo, servi lá com muita honra, muita satisfação. Conheci toda aquela fronteira do Rio Grande. Santo Ângelo, Santiago, São Borges, aquela região toda eu conheci. Depois, nasceu lá a minha primeira filha e voltamos para Curitiba.

José  Wille – Aqui o senhor continuou na carreira militar até que surgiu o convite para a chefatura de polícia, que, na época, equivalia à Secretaria de Segurança do Paraná.

Ney Braga – Eu daqui fui transferido para Itu e eu iria para a guerra. Eu era professor de técnica de tiro e de topografia dos oficiais e fui transferido para Itu. A minha senhora teve que ficar aqui, porque tive 8 dias para ir para Itu e não deu para arrumar toda a bagagem. Quando eu estava servindo lá, conversando com alguns oficiais, ouvi no rádio a notícia que dizia “faleceu Caetano Munhoz da Rocha” – que era meu sogro – “e acaba de nascer um neto dele” – que era meu filho. O que eu fiz foi tomar um carro e vir para Curitiba. Não pude assistir ao enterro do meu sogro, mas vi meu filhinho. Aí eu disse: “Maria José, você se muda, vai para casa do seu pai, eu vou para Itu e você vai passar uns dias comigo antes de eu embarcar”. E ela foi para casa do pai dela e eu voltei para Itu. Quase um mês mais ou menos depois ela chegou em Itu. Mas chegou com tifo e faleceu logo a seguir, deixando-me quatro filhos.

José  Wille – Um momento difícil da vida…

Ney Braga – Esse foi… muito difícil. Muito difícil. Então os oficiais que me comandavam não me deixaram ir para a guerra. O coronel, então capitão Rebelo, o marechal Ademar de Queiroz, que naquela época era coronel, o Geisel, que também já era coronel na época, não me deixaram embarcar.

José  Wille – O senhor esteve perto então de ir para a Itália, como expedicionário.

Ney Braga – Perto. Mas como é que eu poderia ir sendo viúvo, e embarcando 15 dias depois, com quatro filhos? Não me deixaram ir. Aí eu vim para Curitiba. Aqui fui professor do CPOR. Do CPOR fui para Escola do Estado Maior. Lá meu instrutor-chefe era o Castelo Branco. Convivi com ele na Escola do Estado Maior. De lá voltei para Curitiba. Servi aqui no quartel-general da 5ª Região Militar, no centro da cidade. Recebi como trabalho de estágio a geografia humana do Oeste do Paraná e de Santa Catarina. Eu fui para lá e fiquei por vários dias, viajei por aquela região toda e vi o grande drama que havia na época do posseiro contra o invasor de terra. Em Guaíra, por exemplo, eu vi dramas incríveis na região. Também em Palotina e naquela região toda do Oeste e na região Sudoeste do Paraná havia muita briga, muita luta. E nessa oportunidade eu fui convidado pelo governador, o dr. Bento Munhoz da Rocha…

José  Wille – Que tinha um parentesco com o senhor…

Ney Braga – Era meu cunhado, irmão da minha primeira senhora. Fui convidado para ser chefe de polícia. Nesse intervalo, conheci a Nice, cinco anos depois de viúvo. Nós frequentávamos a mesma missa no Bom Jesus, às 11 horas. Eu a conheci e, em seis meses, casei-me com ela. Afinal, eu vivia só, e a solidão é muito triste. Muito triste mesmo. Mamãe, papai e minha avó cuidavam das crianças. Minha irmã Estela e os parentes todos ajudavam a criar as crianças. Quando me convidaram para chefe de polícia, o pessoal do exército dizia “mas você tem uma carreira tão boa no exército. Já viu um chefe de polícia fazer carreira política? Você quer fazer carreira política?”. E eu disse “olha, eu não pensei. Mas vou tentar”.

José  Wille – Esse convite significaria se afastar do exército. Como o senhor avaliou isso na época?

Ney Braga – Era um risco, porque eu perderia muito tempo de serviço dentro do exército. Eu já era major, mas praticamente há pouco tempo. Aí aceitei. “O estado precisa, o Bento precisa, é preciso um entrosamento grande com o exército lá na região Oeste e Sudoeste… e eu aceito a chefatura”. Aceitei e fui ser chefe de polícia.

José  Wille – Significou desligar-se do exército ou foi uma licença?

Ney Braga – Não, não! Não significou. Significou eu sair do exército, pensando em voltar. Porque eu podia, naquela época, ficar até oito anos fora do exército e voltar depois. Acontece que, quando eu estava ainda na chefatura de polícia, vieram aqui, nessa casa, vários vereadores e me convidaram para ser candidato a prefeito de Curitiba. Quando eles me convidaram, eu pensei e consultei o dr. Bento, que era o governador, e ele achou interessante. O Ernani Santiago de Oliveira, que era prefeito de Curitiba, também achou bom. Eu então aceitei ser candidato a prefeito.

José  Wille – O senhor havia pensado nisso previamente? O que foi decisivo?

Ney Braga – Esse convite foi muito importante. Eu não pensava nisso. Eu não pensava em fazer carreira política, não. Eu pensava da chefatura voltar para o exército. Mas fiz a carreira, optei pela prefeitura, ganhei a prefeitura e pudemos fazer muita coisa pela prefeitura.

José  Wille – Como foi a conciliação? Porque o senhor não era um político. Vinha de uma carreira militar. Como é que foi esta adaptação para ir atrás do eleitor?

Ney Braga – Mas na carreira militar eu lidava muito com soldados. Na chefatura, eu tinha muita ligação com os motoristas de praça. Na chefatura, até colocamos um motorista no Conselho de Trânsito. Nós criamos, para os estudantes de Direito, um curso nas delegacias. Então também tive muita convivência com os estudantes. A política é a ciência do bem comum, não é? Eu tinha essa vontade de servir e me dar bem com o próximo.

José  Wille – A facilidade de se entender bem com as pessoas…

Ney Braga – Essa facilidade eu sempre tive, desde tenente. O Dario deu uma entrevista outro dia, falando que foi a uma farmácia e perguntou quem comprava muito ali. Quando responderam que era o tenente Ney, ele disse “mas ele não é doente”. “-Não, ele compra para os soldados dele”. Isso é o que acontecia, eu me dava bem com os soldados. Eu treinei a Corrida do Facho, treinei uma turma de basquete do Paraná, fui diretor de atletismo do Atlético, fui diretor de atletismo do Círculo Militar. Convivi muito com o pessoal do esporte, com estudantes e com os motoristas de praça. E assim eu fui conhecendo o povo de Curitiba. E a minha candidatura para prefeito foi fácil, porque eu ia em um bairro e ali estava o Menon, que foi meu soldado, estava o Chain, que foi meu motorista. Assim, tinha vários contatos.

José  Wille – O senhor tinha um bom trânsito e conhecimento nos bairros. O adversário era Wallace Melo e Silva, pai de Roberto Requião. Como foi essa disputa com ele pela prefeitura de Curitiba?

Ney Braga – Era muito forte. Eu trabalhei, ele também trabalhou, mas eu ganhei. Houve um episódio muito triste na época da minha campanha para prefeito. Eu cheguei em casa e disse “perdi a eleição”. Foi a morte de Getúlio Vargas. Getúlio morreu e eu era candidato a prefeito e eu não era getulista!

José  Wille – E o senhor achou que isso era decisivo para ajudar outros candidatos?

Ney Braga – Para ajudar outros candidatos partidários do Getúlio. Mas, felizmente, isso não funcionou na minha campanha. Entristeceu muito todo mundo. Foi realmente uma tragédia que chocou o país e chocou Curitiba, é lógico. Mas, assim mesmo, eu pude ganhar a eleição.

José  Wille – Como o senhor analisa esse período durante a década de 50, à frente da prefeitura de Curitiba? A cidade era pequena e atrasada na infraestrutura e no planejamento da cidade.

Ney Braga – A primeira coisa que eu fiz foi convidar para vir aqui o Prestes Maia, que tinha sido prefeito de São Paulo e era um grande urbanista. Ele veio, sobrevoou Curitiba e disse “Ney, você precisa ter cuidado com os fundos dos vales em Curitiba”. Aí eu entendi bem o problema e contratei uma empresa de São Paulo – uma empresa na qual o Alex Beltrão não participava, mas a ajudava muito, porque ele estava comigo na prefeitura, assim como vários outros companheiros. Criamos um centro de planejamento urbanístico, que depois o Ivo Arzua transformou no IPPUC. E junto com esse pessoal de planejamento, que era o Mário de Mari, Fanchetti Rischbieter, o Dario Lopes dos Santos, o Alípio Aires de Carvalho, fizemos o plano da cidade de Curitiba, adaptando o Plano Agache, que vinha desde muitos anos antes, mas não estava sendo praticado por causa do custo e porque Curitiba já havia fugido um pouco do plano original. Então, conseguimos fazer o planejamento da cidade, que depois outros prefeitos aperfeiçoaram. Nós aperfeiçoamos os anteriores, fazendo as canalizações dos rios e o plano de transportes coletivos, que antes eram só lotações.

José  Wille – O senhor organizou as lotações para que elas se tornassem verdadeiras empresas?

Ney Braga – Inclusive fiz a concorrência por linha, permitindo que entrasse só o pessoal de Curitiba que tinha empresa de lotação, para prestigiá-los, porque eles serviram tanto Curitiba. E eu dava, em concorrência, uma linha boa que tinha bastante lucro e uma ruim. Por exemplo, a rua XV era uma linha boa, a linha Pilarzinho era uma linha difícil, que só tinha movimento de manhã e de tarde. Montamos um esquema de planejamento de transporte de Curitiba. E a tarifa também foi uma tarifa social. Os estudantes faziam uma vistoria dos ônibus e nós fazíamos uma linha boa casada com uma linha ruim. Nós dávamos o recurso de acordo com o rendimento. Fizemos o plano de pavimentação de acordo com o plano de transporte coletivo, ou seja, onde tinha transporte coletivo, nós pusemos pavimentação. Na chefatura, nós criamos a rádio-patrulha. Na prefeitura, eu ajudei muito a rádio-patrulha. Nós criamos o Cosme e Damião, os dois soldados que andavam pelas ruas. Criamos muita coisa na prefeitura. Fizemos bibliotecas. Havia uma escola municipal e construímos 10, ou seja, fizemos 10 vezes mais do que quando assumimos. A prefeitura estava muito endividada e nós conseguimos recuperá-la e tocar para a frente.

José  Wille – O senhor estava vindo de outra área.Quem o ajudou foi a equipe que o senhor formou, ou alguém que tenha lhe dado uma primeira visão política?

Ney Braga –Meu pai, meu sogro e meu cunhado me orientaram. Ernani Santiago de Oliveira, que era prefeito também. Mas o grupo que eu formei era um grupo extraordinário. Não vou citar os nomes todos, pois posso me esquecer de alguém, mas eu citei há pouco o Mário de Mari, o Saul Raiz, Fanchetti Rischbieter, o Dario Lopes dos Santos, o Norton Macedo e vários companheiros – moços, de 28, 29 anos, que foram para a prefeitura, para o meu gabinete. Eu tinha também uma menina que trabalhava loucamente durante a campanha, Edelci Vanestin, que depois foi para a prefeitura. São vários companheiros que me ajudaram muito, que é até bom não citá-los, senão ficaria a tarde inteira relembrando-os. Levei o Alípio, e depois o Isaac Milder veio para estudar os rios. Nós trouxemos para cá uma empresa de São Paulo para estudar a passagem do rio, ali perto da velha estação, e fizemos a canalização do rio sem perturbar o andamento dos trens. E assim fomos planejando Curitiba. Abrimos a rua Carlos de Carvalho, a Vicente Machado até a estrada de Ponta Grossa. Abrimos a Fernando Moreira, o rio que está lá até hoje e o canal. Plantamos milhares de árvores, obrigamos o recuo de 5 metros das casas/apartamentos e foram feitos tantos jardins nesta área que estão aí até hoje para se ver a beleza de Curitiba. Plantamos árvores em todas as praças, no Passeio Público, por exemplo, e ainda nas praças Rui Barbosa e Oswaldo Cruz. Fizemos a Estação Rodoviária e o Mercado Municipal, que ainda estão aí. A pequenina estação e o pequeno mercado ainda servem. Naquele tempo eram grandes porque a cidade era pequena.

José  Wille – E a experiência como deputado? O senhor se elegeu em 1958, quando deixou a prefeitura e foi para o Rio de Janeiro, que era a capital do país. E era considerado um deputado de muitas reivindicações.

Ney Braga – Muito pelo Paraná. Pouco atendido, mas fiz muitos pedidos. Estradas, recursos para a energia elétrica, que o Paraná não tinha. Em pouca coisa eu fui atendido. Aí, fui candidato a governador do Paraná e vim para cá para fazer minha campanha. Eu ia um pouco ao Rio de Janeiro, um pouco a Brasília. Primeiro para o Rio de Janeiro, porque a Câmara era lá e depois foi transferida para Brasília. Vinha aqui, fazia campanha, voltava, me apresentava e fazia discursos.

José  Wille – Como surgiu a articulação para o governo do estado em 1960?

Ney Braga – Eu formei o PDC, e o Joaquim de Mattos Barreto – que era o presidente do PDC – achou interessante eu ser candidato a governador. Ele já tinha sido meu companheiro para deputado federal. E um grande número de amigos achou que eu poderia ser candidato a governador e vários outros empresários também acharam uma boa idéia.

José  Wille – Porque o senhor surgia como candidato de oposição?

Ney Braga – É, candidato de oposição ao Lupion. Fui candidato, com vários outros candidatos, e ganhei a eleição. Ganhei e recebi o estado em falência. O Banco do Estado estava sob intervenção, a Copel, com títulos protestados. O estado estava separado, o Norte era mais ligado a São Paulo, o Sudoeste não tinha ligação com Curitiba e o Oeste estava na escuridão. Aliás, a escuridão era no estado inteiro e em Curitiba também. Começamos a pensar no planejamento do estado ainda antes da posse. Fizemos várias reuniões com esses mesmos companheiros e outros que iam se somando e projetamos o governo do estado.

José  Wille – Naquela época, a campanha era diferente. Não existiam ainda os meios de comunicação de massa.

Ney Braga – Era uma campanha que tinha que ser barata, pois não havia recurso. Depois havia o problema do voto pessoal, não era o voto coletivo, tínhamos que distribuir a cédula. E tinha que visitar todos os municípios e distritos mais povoados. Então, eu visitava às vezes quatro, cinco por dia. Eu fazia quatro comícios no sábado e quatro comícios no domingo. Começava na saída da missa das 10, por exemplo, aqui em Curitiba, em Santa Felicidade, ia mais tarde para o Portão, fazia uma reunião no Ahú. E depois no interior – Lapa, Irati…

José  Wille – As pessoas iam aos comícios.

Ney Braga – Eu acho que nunca Curitiba reuniu mais gente que no meu comício de encerramento. Mesmo com a população pequena que tinha, percentualmente nunca houve um comício igual. Tanto que eu estava muito rouco e pedia desculpas. As pessoas falavam “não precisa falar, não precisa falar!” Era o coração. Eu tive a felicidade de transmitir ao povo a vontade de votar em mim. De saber que eu ia ser um administrador bom para o povo. Era a minha pregação, era a democracia cristã. Eu me lembro de Paranavaí: que beleza de comício! Um comício extraordinário em Francisco Beltrão! E vinha gente de todo o país fazer comício. De São Paulo, do Rio Grande, do Norte, vinham fazer comício comigo. No comício de Londrina veio uma porção de gente fazer comício comigo: Montoro, Paulo de Tarso, Faria Lima… Em Francisco Beltrão, o PL me apoiou. Ia ao restaurante e passava de mesa em mesa apertando mãos. Assim foi feita a campanha.

José  Wille – Não existia a presença tão grande dos meios de comunicação. A televisão ainda estava para começar, e só havia o rádio.

Ney Braga – E falava-se pouco no rádio, porque não havia recurso para poder falar tanto. E a gente falava 5, 10 minutos por semana. Mas foi uma campanha dura, difícil… Carros, a gente encalhava, pois não tinha estrada, era ou pó ou barro. Saía daqui e chegava adiante de Campo Largo já com barro. Para chegar em Londrina com chuva era um drama. Quando chegávamos, os pedidos eram “queremos escola, luz, água, estrada”. Eu dizia no meu comício “motorista de Paranavaí indo para Paranaguá não sabe se diz até semana que vem ou diz adeus, porque não sabe quando volta. Se chover, fica lá parado”.

José  Wille – E o Paraná não tinha uma boa ligação Norte-Sul.

Ney Braga – Não tinha, era completamente separado. Oeste e Sudoeste também não tinham. Nós fizemos a Estrada do Café. Até Campo Largo já estava pronta. Nós a fizemos de Campo Largo até o Norte do Paraná e depois a levamos até Maringá. Depois, fizemos da Lapa até praticamente São Mateus. E no segundo governo nós fizemos muito também. No primeiro, nós levantamos a Copel, compramos 10 grupos de geradores para Curitiba, e os montamos ali no Capanema, na frente do antigo estádio do Ferroviário. Montamos grupos de geradores também para Maringá, Umuarama, Cianorte e Sudoeste do Paraná. E começamos a concluir usinas e dar corpo à Copel. Compramos a usina do Marumbi, levamos luz para o litoral. Terminamos a Chopim I, Chopim II, Mourão I, Mourão II, Figueira. Essas usinas pequenas foram se somando e, aos poucos, o Paraná foi se erguendo na energia. E salvamos o banco do estado, que se tornou logo um grande banco. Criamos o Badep e a Codepar – que foi a companhia de desenvolvimento do Paraná, que ajudou muito o estado. Conseguimos com o presidente Kennedy – que eu visitei – um empréstimo grande e um financiamento grande da aliança para o progresso. Foi com estes recursos que nós pudemos fazer a Estrada do Café e ajudar muito na industrialização do Paraná.

José  Wille – Na sua campanha de 1960, houve uma crítica muito forte sobre o governo Lupion, com denúncias de corrupção. O senhor teve uma reaproximação com ele mais tarde?

Ney Braga – Houve um distanciamento político! Eu nunca ataquei o Lupion como pessoa. Falávamos em administração. Alguns companheiros falavam de pessoas. Depois de algum tempo, encontrei-me com Moisés Lupion em um cursinho de cristandade, nos abraçamos e fizemos as pazes. Houve muitas palmas do pessoal todo. E nós nos desculpamos um para o outro e, quando ele morreu, era meu amigo. Mas é bom que eu diga que nós fizemos a Telepar, que foi a primeira companhia de telecomunicações do Brasil, nove anos antes da Telebras. Nós fizemos a Celepar, que foi a primeira companhia de informática do serviço público do Brasil. A Sanepar foi nossa também. Toda a infraestrutura do Paraná nós fizemos com esse grupo de que nós falamos. Com companheiros moços, voltados para o trabalho, com dignidade, com amor. Nós discutíamos dia e noite e, assim, o Paraná foi crescendo e tomou um vulto extraordinário diante do Brasil.

José  Wille – E com relação a Bento Munhoz, que lançou o senhor na política, quando o convidou para a chefatura de política? Houve também um distanciamento depois?

Ney Braga – Houve já na prefeitura. Na prefeitura, eu fui com um candidato, Aristides Simão, e o Bento foi com outro candidato. Aí, houve uma separação, mas uma separação política. Porque convivi muito com a família dele, me dava com ele até a morte dele. E a família toda dele são irmãos nossos. Inclusive a senhora dele é muito amiga da minha senhora. O filho dele é um grande amigo meu. Todos os filhos são amigos nossos.

José  Wille – E o lançamento de seu nome como se fosse uma parceria com Jânio Quadros? O senhor não era o candidato de Jânio, mas a propaganda trabalhava com os dois nomes, Jânio e Ney. Isso foi fundamental, pesando muito em sua eleição em 1960?

Ney Braga – Eu acredito que pesou. Inclusive eu fiz o lançamento do Jânio no PDC. Na convenção do PDC, eu fiz o discurso e o Jânio respondeu. Mas o Jânio não me apoiou. Ele desceu aqui e disse no rádio e no comício dele “eu apoiarei a quem me apoiar”. E não me apoiou. Mas eu dizia Jânio e Ney, Jânio e Ney. O Jânio foi meu colega no ginásio, nós fizemos até o quarto ano do ginásio do internato do Paranaense juntos. Ele estudou aqui, depois foi terminar os estudos fora.

José  Wille – A união dos dois nomes acabou pesando para o eleitor, que via uma associação de Jânio com a sua candidatura aqui no Paraná.

Ney Braga – Tinha essa associação muito grande. Depois o Jânio veio para cá como governador e já estava muito preocupado com o Congresso. A partir daí, ele caminhou para a renúncia. Nós criamos o BRDE naquele tempo, com o Brizola e o Celso Ramos. O BRDE que até hoje está aí…

José  Wille – O senhor enfrentou um período tumultuado, porque era governador na época da renúncia de Jânio. Depois veio o João Goulart e houve a Revolução de 64.

Ney Braga – Foi, mas felizmente nós levamos tudo muito bem. Porque, quando o Jânio renunciou, nós participamos com Magalhães Pinto e estivemos lá, inclusive quando ele foi embora para o Uruguai. Ele veio de Brasília, desceu em São Paulo, no aeroporto militar, e eu, o Magalhães Pinto e o Carvalho Pinto conversamos com ele, que ele não podia voltar mais, pois já havia renunciado. E uma surpresa incrível: acho que 10 minutos depois que ele assinou a renúncia, já estava fora do Congresso. Tenho a impressão que ele esperava que segurassem isso e que fossem conversar com ele. Mas não aconteceu. Ele não nos disse isso… Disse que tinha muita preocupação, porque o Jango vinha com uma ala esquerda. Ele viajou e depois veio o Jango. Aí eu fui chamado um dia a Belo Horizonte. O Jango começou aqueles comícios na Central do Brasil, com discursos muito “comunizantes”. Os discursos dos comícios e o encaminhamento do governo do Jango realmente necessitavam que houvesse uma revolução democrática, para evitar que o Brasil caminhasse para o comunismo.

José  Wille – Pela ligação com o meio militar, o senhor já sentia que isso ia acontecer? O senhor já esperava a deposição dele?

Ney Braga – Eu a sentia muito próxima, porque inclusive o comandante da região aqui era janguista. Tanto que ele não pode descer aqui, porque nós fechamos o aeroporto. A Aeronáutica fechou o aeroporto para ele ir para Porto Alegre. Mas eu sentia no caminhar do governo do Jango que ele ia muito mal. Então, houve essa revolução da qual nós participamos, o Paraná participou, e eu fiquei aqui conversando com Ademar de Barros. O Ademar à noite aderiu. O Rio Grande, Santa Catarina e, afinal, o Brasil todo aderiu.

José  Wille – A sua adesão, em que momento aconteceu?

Ney Braga – Foi no dia que fui visitar Magalhães, na véspera da Revolução. Voltei, e comuniquei aos companheiros militares, não ao comandante da região, mas ao comandante da região que estava no posto. Trouxe uma carta do general Guedes para ele, dizendo que não era possível mais e que era preciso uma revolução. O comandante foi consultar os oficiais, que estavam todos a favor da Revolução, e voltou ao Palácio Iguaçu. Em seguida, chegaram lá dois generais, que foram para conversar – através de um rádio que eu arranjei para colocar no Palácio – com o Rio Grande do Sul, que aderiu logo depois.

José  Wille – Como foi a condução da Revolução aqui no Paraná? O senhor era governador e controlava a segurança.

Ney Braga – Foi toda a favor. Os que eram contra não desembarcaram aqui, que eram dois generais. Tanto os oficiais do exército quanto a polícia ficaram logo a favor. Na véspera, eu chamei o comandante da polícia, que já ficou a favor, e todo o policiamento e todo o povo do Paraná já faziam campanha contra. Tanto que, um pouco antes da Revolução, milhares de pessoas foram ao Palácio, levando um livro comunista que um homem do governo do Jango tinha imprimido. Deram-me o livro e diziam para que não o distribuísse no Paraná e não o jogasse no chão, para não sujar o chão do nosso estado. Milhares de pessoas ouviram isso. Inclusive chefiava a ala feminina a dona Dalila Lacerda, que se lembra muito bem disso. A nossa revolução foi nas primeiras horas, com Magalhães Pinto e com Carlos Lacerda. E, logo em seguida, com Ademar de Barros e Celso Ramos…

José  Wille – A reação no Paraná, pode-se dizer que não houve?

Ney Braga – Não houve reação.

José  Wille – Dizem que o senhor não teve uma atuação dura contra as pessoas que eram de esquerda. Que houve atuação moderada.

Ney Braga – Eram, de certa forma, de uma esquerda moderada; então, fui muito moderado com eles.  Em vez de demitir, por exemplo, eu punha em disponibilidade. Aconteceu com vários companheiros que hoje são ultracompanheiros meus. Eu não tenho inimigos. Passei tantos períodos difíceis e não fiz inimigos. Só tenho amigos. Não conheço uma pessoa que diga que é inimiga minha, porque eu fiz questão de manter esses relacionamentos. Inclusive com o pessoal, quando me levavam problemas, eu dizia para deixar isso de lado. O Geraldo Gaspar Peixoto, que era meu chefe da comissão, também era muito humano, de modo que não houve problemas maiores. Nós colocamos o pessoal em disponibilidade, passou o período e voltou tudo à calma.

José  Wille – O senhor tinha muitos amigos no meio militar, inclusive o próprio Castelo Branco. Foi daí que surgiu o convite, quando terminou o seu o período de governo, para o Ministério da Agricultura?

Ney Braga – Foi. Não esperava. Deixei o governo e fui para o Ministério da Agricultura. E lá pude fazer muita coisa: a lei do reflorestamento – que deixamos quase pronta, a fixação do preço mínimo antes do plantio, a demarcação de várias terras de índios. Fizemos também o fundo de fertilizantes – pagávamos um pouco para o pessoal usar fertilizantes, a campanha contra a febre aftosa, que foi muito grande no país inteiro e também uma distribuição muito grande de sementes.

José  Wille – Como era internamente o governo militar de Castello Branco? Existia a idéia de ficar um tempo curto no poder?

Ney Braga – O pensamento dele era de um tempo curto. Era muito difícil conseguir do Castello que ele ficasse mais um tempo. Eu pedia. Todos nós pedíamos. No final, ele concordou em ficar mais um ano. Eu acho que foi uma pena, pois, se ele tivesse ficado mais tempo, teria sido até melhor. Porque o Costa e Silva não seguiu muito bem a linha do Castello.

José  Wille – E depois desse período, com a morte de Castello Branco, o senhor acha que mudou o quadro político?

Ney Braga – Mudou um pouco. Porque os outros militares fizeram bons governos. E o Geisel veio e recuperou ainda tanta coisa. No Ministério da Educação, por exemplo, o crédito educativo, a criação da Funarte, a recuperação e a compra de teatros – do Cacilda Becker, no Rio de Janeiro, do Maria Della Costa, em São Paulo, do Teatro de Arena. Afinal, fizemos muita coisa pela educação e pela cultura do país, no governo e no Ministério da Educação.

José  Wille – A candidatura de Paulo Pimentel, na sua sucessão, teve a articulação de Aníbal Cury. E o senhor decidiu apoiar a candidatura de Paulo Pimentel, que era o seu secretário da Agricultura?

Ney Braga – Vários secretários meus eram dele e trabalhavam para ele. Ele foi lançado pelo Aníbal Cury muito antes do período. E depois, na convenção do PDC, nos testes todos, nós vimos que o Paulo ganharia do Affonso, se ele fosse candidato.

José Wille – O senhor acreditou que ele tinha potencial?

Ney Braga – Eu não tinha candidato, mas via o potencial do Paulo crescer. E, quando senti esse potencial, fui ao PDC defender a candidatura dele. Fizemos uma convenção extraordinária no Teatro Guaíra e ali o Paulo ganhou a convenção, foi candidato e ganhou a eleição, com meu apoio absoluto, total e realmente muito forte.

José  Wille –  Paulo Pimentel ganhou força como empresário de comunicação, rádio, televisão e jornal. E, mais tarde, ele se distanciou do seu grupo. Como o senhor enfrentou isso?

Ney Braga – Muito bem. Ele era Costa e Silva e eu, Castello. Aí, nós nos separamos um pouco. E ficamos assim por algum tempo. Eu me dou bem com ele.

José  Wille – Mas foi um período difícil para o senhor?

Ney Braga – Não foi difícil, não. Eu era candidato ao Senado; depois senador. Ele trabalhou para ele e eu trabalhei para mim. Não houve dificuldades maiores, não.Cada um seguiu com o seu trabalho, sem perturbar um ao outro. Houve só uma mudança de canal: ele tinha o canal da Globo, e o Canet queria que o canal passasse para outro. Conversamos com o presidente Geisel, e o Paulo ficou com o canal do Sílvio Santos e o Francisco Cunha Pereira, com os amigos, companheiros e sócios dele, ficou com o canal da Globo.

José  Wille – Paulo Pimentel acusou o senhor de retaliação política.

Ney Braga – Não foi retaliação, absolutamente. É que não havia outra solução. Inclusive a Globo queria também. Houve um sentimento geral nessa mudança. Mas não houve retaliação, porque não havia razão nenhuma para retaliar o Paulo, pois ele não me retaliou.

José  Wille – Depois do governo de Paulo Pimentel, veio o governo de Leon Peres, nomeado em Brasília. Como o senhor acompanhou esse período? A nomeação não passou pelas lideranças do Paraná?

Ney Braga – Foi decidida em Brasília pelo general Médici. Fomos chamados eu, o Matos Leão – que era presidente do partido – e o Paulo Pimentel, e ele disse “vou lançar no Paraná o Leopoldo Peres”. Eu lhe disse que ele estava enganado, pois Leopoldo era do Norte. Do Paraná era o Haroldo Leon Peres. E ele escolheu Leon Peres.

José  Wille – Esse período foi curto com a queda de Leon Peres… Como o senhor analisa a distância agora esses fatos?

Ney Braga – Analiso como eu digo no meu livro, como toda a imprensa comentou: que o presidente não tinha outro caminho a fazer senão o que ele fez.

José  Wille – Na sequência, veio o governo Geisel. O senhor já tinha proximidade anterior com ele e voltou a ser prestigiado politicamente, indo para o Ministério da Educação e Cultura.

Ney Braga – Fui para o Ministério e lá eu tive um prestígio muito grande, tanto que trouxeram a usina de fertilizante aqui para Araucária, que iria para outro estado. Eu pedi e ele a mandou para cá. Ele gostava muito do Paraná e me prestigiou muito aqui no estado.

José  Wille – Foi um período em que o senhor ganhou novamente uma força política muito grande no Paraná e em Brasília, no Ministério. E teve participação na indicação de Jaime Canet para o governo do estado.

Ney Braga – Foi escolha nossa, do partido, que eu levei ao presidente. E só o que nós criamos na Cultura… Basta dizer que a Cultura toda hoje é amiga minha. Porque eu fiquei contente de poder ajudar a cultura do meu estado. Criamos os cursos do tipo do CEFET aqui em Curitiba, os cursos profissionalizantes, cursos extraordinários que deram muito ao Brasil.

José  Wille – Houve momentos em que seu nome foi cogitado como candidato à presidência do Brasil.

Ney Braga – O Castello colocou cinco nomes para o partido escolher. O Costa e Silva ganhou, eu tirei o terceiro lugar. Depois o Hugo Abreu, no tempo do general Geisel, sugeriu o meu nome, o do Jarbas Passarinho e vários outros nomes. Mas o general Geisel já me havia dito que achava que ele iria acabar com o AI-5 e que o futuro presidente deveria ser quatro estrelas. Um tempo depois, ele me disse que iria fazer o Figueiredo quatro estrelas. Daí eu percebi que o candidato dele era o Figueiredo. Um dia no jornal saiu “Ney Braga para presidente da república”. Aí eu fui, levei o jornal e disse para o presidente que não queria nada e estava com o candidato que ele e o partido escolhessem. O partido estava, de um maneira geral, do lado do Figueiredo. Então, encaminharam-se para o Figueiredo e eu voltei para o Paraná.

José  Wille – Com o Geisel o senhor voltou a participar do governo.

Ney Braga – Continuei no Ministério e criamos a Funarte, multiplicamos por muito o capital da Embrafilme, ajudamos muito o cinema nacional, o balé, a canção, o teatro. Tivemos a oportunidade, como já disse, de criar o ensino profissionalizante. Ajudamos várias universidades, inclusive o campus da Universidade Católica do Paraná (atual PUC-PR) fomos nós que criamos, nós que ajudamos… Criamos vários centros esportivos em todo o Brasil, aqui no Paraná, em Guaíra, em São José dos Pinhais – que tem até meu nome -, em Umuarama… Compramos o teatro de Londrina, o Ouro Verde.

José  Wille – Nesse período, o senhor levou um grande susto com sua saúde, quando teve problemas no coração.

Ney Braga – Passei momentos difíceis, fiz safena, voltei e, seis meses depois, estava no Japão. Não me prejudicou e até hoje – faz 15 anos que fui operado – eu continuo andando e procurando esquecer que fui operado.

José  Wille – E o senhor teve um segundo período de governo.

Ney Braga – No segundo governo, eu posso citar mais de 20 mil casas populares que a Cohapar fez – e que nunca mais houve na história. Fizemos, no segundo governo, mais de 40 mil títulos de lotes agrícolas, ITC e Incra ajustados. Tivemos no segundo governo, na Cultura, a sala de exposições Bakun, o concurso de crônicas do Paraná, o Parque no Mate, construímos mais de duas mil salas de aula. No Pró-Rural, conseguimos mais de 200 milhões de dólares para ajudar municípios de pequena população. Fizemos escolas, serviço odontológico no grupo escolar em mais de 50 municípios e serviço médico gratuito nas escolas em centenas de municípios. No segundo governo, focamos mais no aspecto social, pois a infraestrutura estava caminhando desde o primeiro governo. Assim, demos mais recursos e melhores condições de educação e saúde para os municípios que menos tinham.

José  Wille – Como o senhor vê hoje a expressão do chamado “neysmo” – o fato do seu nome ter sido mais forte que os próprios partidos?

Ney Braga – Não sei, não é “neysmo”. Eu era do PDC, depois formamos o Partido Liberal, depois fui para Frente Liberal da Arena, e fui para a Arena. Não sei… Eram amigos meus.

José  Wille – A visão era de que seu nome chegou a ter  mais peso que o próprio partido, nas articulações políticas.

Ney Braga – Eu acho que o Bento representou, o Lupion representou, e eu representei. Porque trabalhei muito, ajudado por minha esposa. É bom que se fale, porque, sem ela e sem minha família, eu não seria nada. Voltar para casa e ter o amparo de uma mulher como eu tenho na Nice, isso é uma coisa que não há o que pague no mundo. Meu pai e minha mãe me esperavam na janela, em dias de eleição. Minha mãe falava para minha avó “o Ney construiu a Estrada da Lapa”. E eu vim contar para ela quando terminei de construí-la, e ela ficou tão feliz, porque ela era lapeana roxa. Assim como eu também sou atleticano roxo, lapeano, paranaense e brasileiro.

José  Wille – O senhor já foi considerado como o Político do Século no Paraná, em função do tempo de permanência e articulação. O que justificaria esse papel por mais de 30 anos?

Ney Braga – Eu me acertei bem e trabalhei bem, em consonância com o povo, fazendo política como devia fazer, e administração como o Paraná esperava. Isso tudo propiciou que eu ficasse por mais de 40 anos na vida pública.

José  Wille – Em 1982, o seu candidato, Saul Raiz, perdeu a eleição para José Richa.

Ney Braga – Foi um momento histórico adverso. A oposição cresceu e ganhou em vinte estados. Foi uma falta de sorte minha nessa oportunidade. Perdi a eleição, mas continuei a trabalhar pelo Paraná. Depois de ganhar tantas eleições, perder uma…. e ficar mais tempo em casa com a minha mulher. Foi um período que eu pude ficar bastante em casa.

José  Wille – Mais tarde, o senhor recebeu ainda um convite para assumir Itaipu, no governo Sarney.

Ney Braga – Tancredo Neves esteve aqui e me convidou para ir para Itaipu. Depois, o Sarney reconfirmou o convite. Construímos 13 das 18 máquinas, ajudamos muitos municípios às margens do lago de Itaipu. Fizemos muita coisa ali pela região, eles sabem… Criamos a Fundação de Itaipu, que ajuda muito o funcionalismo, e criamos o plano de classificação de cargos.

José  Wille – Itaipu era um cargo que exigia dedicação. Em que momento o senhor decidiu que era hora de encerrar?

Ney Braga – Eu pedi para sair do conselho deliberativo da Itaipu, porque eu realmente estava com certa dificuldade para viajar. Então, achei melhor me dedicar a esses setores a que estou me dedicando agora, que são mais de Curitiba e mais ao meu bel-prazer.

José  Wille – Hoje, como é que o senhor analisa esse período de quase 40 anos de vida política no Paraná?

Ney Braga – Com muita alegria e muita satisfação, muita emoção. Com saudade. Eu tinha vontade de voltar ao meu tempo de candidato a prefeito… tão bom! Candidato a governador, campanhas tão boas! Amigos de todo lado, amigos que me emociono ao lembrar, e todos eles do Paraná inteiro. Amigos que fiz e, até hoje, quando marco alguma visita, reencontro amigos e companheiros de 40, 50 anos. Essas coisas emocionam a gente. Essa minha passagem pela política está dentro da minha alma, do meu coração e sou muito grato ao Paraná pelo caminho que me fez percorrer e pelo caminho que meus companheiros me ajudaram a transitar.

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