Karlos Heinz Rischbieter, nascido em Blumenau, foi ministro da Fazenda durante o governo João Figueiredo. Também esteve no comando do Banco do Brasil, Caixa Econômica e Instituto Brasileiro do Café, entre muitas outras atividades públicas. Esta entrevista foi gravada em julho de 1997. Rischbieter morreu em 2013, aos 85 anos, em Curitiba.
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José Wille – Pode-se dizer que o senhor é um “paranaense de Blumenau?”
Karlos Rischbieter – Você sabe que é uma história engraçada. Quando eu estava na Caixa, havia uma eleição para governador e perguntaram se eu ia ser candidato. Eu disse “É complicado, porque eu sou nascido em Santa Catarina e fiz toda minha vida no Paraná. Só se a gente unir os dois estados e fizer um ‘Cataraná’”. Todo mundo levou na brincadeira, com exceção de uma jornalista, que pôs isso como uma ideia séria minha.
José Wille – Depois que sai no jornal, é muito difícil explicar a história… Sua família veio da Alemanha para Blumenau?
Karlos Rischbieter – Meu bisavô veio em 1861, do norte da Alemanha, e meu avô estava com onze anos quando veio para cá. Meu avô fundou a primeira cervejaria em Blumenau, que quebrou quando a Brahma entrou. Meu pai tinha uma loja, era chapeleiro. Ele fazia chapéu de mulher. Quando passou a moda, ele mudou para outras coisas, mas, basicamente, era uma casa de comércio.
José Wille – Como foi, no período da guerra, a experiência de sua família? Muita gente aqui não entendia bem o que acontecia, com relação a uma guerra que se desenrolava na Europa. Sua família passou por isso?
Karlos Rischbieter – Claro! Blumenau tinha uma escola que eu frequentei desde o primeiro ano. E as escolas estrangeiras foram fechadas em 1938 pelo Getúlio – as italianas, as alemãs… Então, houve, antes mesmo da guerra, uma rivalidade. Nós éramos chamados de galegos – nunca soube por que, mas, durante a guerra, isso se agravou. Houve episódios muito feios, como quando meu pai foi preso. Eles perguntavam porque que ele tinha casado as três filhas com alemães e ele dizia “Na minha família, elas escolhem”. Eu tinha quinze anos e era o único que estava em casa. Acabamos descobrindo que era questão de dinheiro. Então, é uma coisa que eu chamo de “sequestro oficial de meu pai”. Quando conseguimos arranjar dinheiro emprestado – que a gente não tinha – e pagamos a pessoa intermediária, no dia seguinte papai estava em casa.
José Wille – Queriam dinheiro para tirá-lo da cadeia?
Karlos Rischbieter – Sim, até achar a pessoa que disse que eram dez contos de réis – não sei quanto é isso hoje e também não quero saber. Mas, enfim, não foi uma época boa. O ruim dessa história é que, supostamente, eram presos políticos, mas iam para a cadeia comum em Blumenau, que, nos finais de semana, enchiam com bêbados, que vomitavam. Muito, muito ruim! Meu pai ficou profundamente marcado por isso. Como ele serviu como voluntário do Exército brasileiro, é claro que isso foi um episódio que deixou um trauma em todos nós durante muito tempo.
José Wille – Essa prisão aconteceu coincidentemente em um ano em que o senhor estava participando de um desfile?
Karlos Rischbieter – Eu estava desfilando pela escola e o papai estava assistindo. Quando cheguei em casa, minha mãe disse “Estão dizendo aí que levaram o teu pai”.
José Wille – Estas marcas acabam ficando…
Karlos Rischbieter – Ah, ficam, sim! Inclusive com o papai ficou marca de doença. Passar dois meses e meio, que não é uma coisa agradável, em uma cadeia pública… Mas, enfim, não chegou a afetar a alegria de viver, porque meu pai se recuperou. Ele morreu com 85 anos e era uma pessoa com uma grande alegria de viver.
José Wille – E chegou a acompanhar boa parte de sua carreira?
Karlos Rischbieter – Sim, graças a Deus.
José Wille – O senhor veio cedo para Curitiba. Naquele tempo, Santa Catarina não tinha grandes possibilidades para o estudo. E acabou vindo para cá, para a Universidade Federal do Paraná, cursar Engenharia.
Karlos Rischbieter – Exatamente. Em 1948, fiz o vestibular e fiz os cinco anos de Engenharia. Formei-me em 1952, com a turma que foi depois conhecida como a “turma do Ney Braga”: Saul Raiz, Affonso Camargo, Osíris Stenghel Guimarães, uma turma grande.
José Wille – Foram vários colegas da mesma classe que trabalharam juntos depois.
Karlos Rischbieter – Trabalharam para o Ney.
José Wille – Mas, inicialmente, o senhor entrou na iniciativa privada, para trabalhar como engenheiro.
Karlos Rischbieter – Eu já comecei a trabalhar a partir do segundo ano de escola, em escritório de cálculo de concreto. Fiz o desenho de todas as alas do Hospital de Clínicas, o desenho das lajes e concreto. Depois que me formei, trabalhei em empresa de engenharia, de construção civil. E por quatro anos, no Norte do Paraná, em uma empresa que construía escolas, hospitais e postos de saúde. Conheci o Norte do Paraná sem asfalto, de 1953 a 1958, pois vivia lá.
José Wille – Como aconteceu a sua passagem da iniciativa privada para o serviço público?
Karlos Rischbieter – Eu trabalhava em uma empresa, saí dessa empresa por motivos que não vêm ao caso e comecei a trabalhar em uma coisa de risco. E daí eu vi que não tinha o jeito de empresário. Minha mulher já era engenheira, funcionária da Prefeitura. E eu disse “Sabe de uma coisa, eu também vou ser funcionário público. Aí a gente chega em casa juntos, às 18 horas, tem sábado e domingo e tudo”. E assim eu acabei na CODEPAR, que tinha sido criada pelo Ney, pela famosa Lei do Fundo do Desenvolvimento Econômico.
José Wille – Foi a origem do BADEP?
Karlos Rischbieter – Foi a origem do BADEP. E entrei lá por concurso, quando o presidente era o Affonso Camargo. Percebi, um mês depois de entrar na CODEPAR, que eu saía de casa às 7 horas da manhã e voltava lá pelas 11 horas da noite. Mas foi o período mais fantástico da minha vida! Criar uma coisa nova, poder mudar o estado, porque, realmente, o Ney mudou o estado.
José Wille – Era o início da criação de órgãos de fomento para gerar ou atrair empresas.
Karlos Rischbieter – Sim. Toda essa ideia do Fundo de Desenvolvimento Econômico da CODEPAR vinha da Itália, que tinha origem nas companhias mistas. E o Alex Beltrão, que hoje é nosso Secretário de Ciências e Tecnologia, meu cunhado também, mas meu amigo de 35 anos, trouxe essa experiência e a propôs ao Ney – vocês devem se lembrar que o Fundo era um adicional restituível sobre o IC, que era então o IVC, Imposto de Vendas e Consignações. Havia uma lei regulando-o e esse dinheiro era aplicado pela CODEPAR, de acordo com a lei, para infraestrutura – no Paraná, a gente esquece que tinha racionamento de energia no primeiro ano do Ney Braga – e para estradas – naquela época, se fez a grande ligação do Norte com o Sul: a Estrada do Café.
José Wille – O senhor acha, então, que o Paraná perdeu com a extinção do BADEP no final dos anos 80?
Karlos Rischbieter – Eu acho que foi uma perda que atrasou o Paraná, porque nós ficamos sem instrumento de atração de empresas. Foi um erro grave, porque poderia ter-se mexido e enxugado a coisa toda. Os instrumentos têm que se adaptar à realidade que muda. Mas fechar, certamente não. Foi um erro profundo.
José Wille – O senhor começou como engenheiro neste órgão e chegou à presidência. Como foi esse caminho?
Karlos Rischbieter – Foi o que surgiu: de engenheiro virei chefe do setor de projetos de análise. Daí, substituí o Maurício Schulman, que era diretor técnico. Quando o Leônidas Bório, que era presidente da CODEPAR, foi para o IBC, eu naturalmente exerci a presidência, acumulando a diretoria financeira, até assumir como presidente o Deodato Volpi. A partir daí, fiquei somente na diretoria financeira.
José Wille – Participando do governo Ney Braga, neste cargo e em outros depois, qual a avaliação que o senhor tem hoje daquele período – do primeiro governo de Ney Braga, no começo da década de 1960?
Karlos Rischbieter – Eu acho que o Ney foi o grande fator de mudança. Eu tinha vivido 4, quase 5 anos no Norte do Paraná, e fui para lá depois da grande geada de 1953. Vi o que significava uma geada, que acabava não só com os cafeicultores, não só com as finanças de Londrina, Maringá, Cornélio Procópio, mas com as finanças do estado.
José Wille – Por que tudo dependia do café.
Karlos Rischbieter – Tudo dependia, basicamente, do café. Essa monocultura paranaense do ouro, do mate, da madeira e do café, o Ney a enfrentou. O que aconteceu é que se diversificou a agricultura. Não tinha soja, não tinha trigo no Paraná. Só surgiram, nesse período, ao mesmo tempo que a industrialização de coisas diferentes. O que era a indústria do Paraná? Madeira, chope, cerveja, algumas coisas alimentícias e praticamente só. E essas indústrias que vieram – Siemens, Bosch e, mais tarde, a Volvo – não só trouxeram investimentos como mudaram, a meu ver, a mentalidade. Nessa época, também surgiu a REFRIPAR – ela é da época da CODEPAR. Quer dizer, não só vieram empresas de fora, como foram fortalecidos grupos locais. Hoje ainda sofremos, pois não temos instrumentos. Está se tentando recriar isso agora, com a Agência de Desenvolvimento do Paraná – ADEPAR, como já a estou chamando.
José Wille – Depois, o senhor veio a ser assessor econômico do governo do Paraná.
Karlos Rischbieter – Quando o Castelo Branco criou o CONSPLAN – Conselho Nacional de Planejamento, o ministro da Fazenda era o dr. Bulhões e o ministro do Planejamento era Roberto Campos. E este órgão tinha representantes do governo e representantes da iniciativa privada e regionais. E eu fui convidado pelo Roberto Campos a entrar no conselho, representando organismos regionais, mas eu já estava me desligando, por motivos outros, da CODEPAR. E, então, Ney disse “Vou te nomear meu assessor econômico, para que você tenha um cargo ligado ao Paraná”.
José Wille – Como foi o seu afastamento do governo? Porque o seu candidato seria Affonso Camargo, mas Aníbal Curi acabou lançando Paulo Pimentel. Neste momento, houve uma divergência quando se afastou do governo?
Karlos Rischbieter – Eu era de uma equipe, a equipe do Affonso. Então, quando a coisa se encaminhou, eu disse “Olha, eu nunca gostei de atrapalhar ninguém, então a melhor coisa é ir embora”. E o Bório, que era presidente do IBC, tinha insistido já para eu ir trabalhar com ele. Então, fui para o Rio de Janeiro.
José Wille – Antes disso o senhor morou cinco anos no Norte do Paraná, desde 1953, e conheceu aquela. Como foi a experiência de construir obras para o governo do estado como engenheiro?
Karlos Rischbieter – Quando me formei, trabalhava em uma empresa que tinha obras em Paranaguá e eu era o engenheiro responsável. Tinha um amigo que trabalhava em outra empresa e nós tínhamos recebido a proposta de construirmos armazéns de café e algumas obras menores. Então, resolvemos fazer nós dois uma empresa e ganhar o dinheiro que o nosso patrão estava ganhando. Tínhamos três armazéns de café e aí deu a geada. Não tínhamos feito firma ainda. Foi em uma sexta-feira a geada e, na segunda-feira, dois telefonaram cancelando os armazéns e, na terça, o terceiro. Daí eu disse “Bom, aqui não tem futuro” e fui trabalhar nessa empresa que tinha obras no Norte do Paraná e que trabalhava para o governo do estado. Eu fiquei estes anos em um quarto permanente no Hotel Avenida, em uma cidadezinha chamada Lupionópolis, e viajava entre Maringá, Londrina, Rancho Alegre, Sertaneja, Florestópolis, onde a gente tinha obras. Mas não tinha asfalto naquele tempo, então, aquilo com chuva, você encalhava – era a palavra que eles utilizavam.
José Wille – Utilizava-se caminhão nessa época, para esse trabalho?
Karlos Rischbieter – Caminhão F600. Quando fazia sol, a poeira era um negócio inaceitável. Eu lembro que tomei as melhores cervejas da minha vida lá, quando chegava no fim do dia. Depois de horas de calor, aquela cerveja era muito boa.
José Wille – E havia uma prosperidade muito grande, apesar desse problema do café, pois era uma época de ocupação de terras, de muita movimentação financeira?
Karlos Rischbieter – Londrina era mato em 1930 e, quando fui para lá, já era uma cidade. Apesar do recuo da geada, continuou sendo uma região extremamente interessante, com gente vindo, construindo, pois não tinha escola, não tinha nada. Então, a cidade fervia de coisas interessantes. Eu gostei muito! Sempre lembro com muito carinho e com muito entusiasmo desses anos no Norte do Paraná.
José Wille – Essa experiência deve ter valido, mais tarde, quando, depois de 1965, o senhor deixou o governo de Ney Braga e foi para o IBC, Instituto Brasileiro do Café.
Karlos Rischbieter – Sim. Primeiro, fiquei um ano e pouco no Rio de Janeiro e é claro que eu conhecia os rudimentos do café, embora tivesse que mergulhar mesmo a fundo na economia cafeeira. Daí, quando me tornei, em um ano, chefe de escritório do IBC em Hamburgo, já sabia bastante e não tinha mais problema. E lembre-se que em 1964 – fui para o IBC em 1965 – o Brasil exportou algo como 1 bilhão e 400 milhões de dólares, e 52% disto era café. Então, veja a importância que representava o café. Hoje, o café, mesmo com esses preços, representa 8%.
José Wille – Como foi sua experiência na Alemanha, vivendo em uma região que, coincidentemente, era a de origem de sua família?
Karlos Rischbieter – Os antepassados, todos os Rischbieter, são de lá, e isto foi muito interessante para mim. Foi um pouco difícil para minha mulher, que não falava alemão, língua que eu falo – ela sempre diz que falo melhor alemão que português, pois o alemão falo sem sotaque e o português é o sotaque meio “catarina” e meio alemão – e é verdade. Então, foi uma experiência boa, pois eu participava muito das reuniões da Organização Internacional do Café, em Londres, porque foi o meu primeiro contato com negociações no exterior, o que, depois, me ajudou muito no Banco do Brasil e no Ministério.
José Wille – Depois de 1967, o senhor foi novamente trabalhar em empresa privada.
Karlos Rischbieter – Sim, porque houve a mudança de governo. Terminava o governo do Castelo Branco e, também eu não queria continuar. Achava que café não era a minha vida definitiva. Então, pedi demissão do governo do Costa e Silva e voltei para o Brasil. Fui trabalhar em uma empresa holding, a empresa que comandava as atividades de Leônidas Bório, que, nesse período, tinha ficado muito meu amigo. Então, vim para Curitiba e comecei a mexer com tratores e motoniveladoras, por cinco anos.
José Wille – E no retorno ao BADEP, em 1972, quando começava a Cidade Industrial de Curitiba, o senhor teve uma grande participação com Jaime Lerner.
Karlos Rischbieter – Sim. Eu estava trabalhando com o Leônidas Bório e houve a mudança de governo no Paraná. Foi nomeado Haroldo Leon Peres, que, por sua vez, escolheu Jaime Lerner para prefeito de curitiba. E, depois de episódios que conhecemos, assumiu o vice-governador Pedro Viriato Parigot de Souza, nosso professor e amigo, uma pessoa fantástica, que convidou o Maurício Schulman, meu amigo, que tinha trabalhado comigo já na CODEPAR, para secretário da Fazenda, e ele me convidou para ser presidente do BADEP. Foi um episódio engraçado, pois todo mundo achava que o Maurício ia me convidar, só que não convidava. E eu perguntava e ele respondia “Não faça nada sem falar comigo”. E passaram-se um mês, dois meses, e, de repente, ele disse “Está convidado!”. E aí ele me contou que, naquela época, o nome era submetido ao SNI e, aparentemente, perderam a minha ficha. E ele ficava preocupado – “O que será que o Karlos fez para não ser aprovado?”. Assumi em fevereiro de 1972 e foi outra época fantástica da minha vida, porque nós tínhamos dinheiro – basicamente as linhas de crédito da Caixa Econômica Federal – e o país estava nos anos dourados de 70. Então, nós aproveitamos e foi a primeira grande leva de industrialização.
José Wille – Quando começou a mudar o perfil de Curitiba para cidade industrial, havia suspeita quando se via o projeto no papel.
Karlos Rischbieter – Eu devo confessar que levei um susto quando o prefeito Jaime Lerner marcou uma hora com o secretário Maurício Schulman e comigo e disse “Nós estamos aqui” – espalhando o mapa na mesa – “e aqui a gente vai fazer indústrias em um parque”. Devo confessar que, no começo, eu estava um pouco assustado, porque parecia muito grande. E, graças a Deus, eu estava errado e o Jaime, certo.
José Wille – E decolou rapidamente. A Cidade Industrial, no ano seguinte, já tinha empresas.
Karlos Rischbieter – Muito rapidamente! E ela exerceu uma influência que não é só o investimento em si. E acho que, antecipando um pouco, vai acontecer agora de novo. A vinda das montadoras, como foi a vinda da Volvo, muda a cabeça, porque são culturas diferentes que, de repente, chegam aqui e as pessoas daqui têm que olhar para ver o que está acontecendo. Eu fui, durante 14 anos, presidente de conselho da Volvo e recebia muito pedido de emprego. E os meus amigos industriais locais diziam “Esses suecos deviam parar com isso. Diga a eles para não darem tudo para os empregados, porque o meu pessoal está exigindo assistência médica etc” Então, é essa a mudança que a Volvo, a Siemens, a Bosch fizeram.
José Wille – Era uma outra visão com relação ao tratamento dos empregados.
Karlos Rischbieter – Muito, muito importante. Então, não são somente os milhões de dólares de investimento, é a mentalidade diferente.
José Wille – Depois, o senhor foi novamente para outro cargo importante, na Caixa Econômica Federal. Como surgiu esse convite?
Karlos Rischbieter – O Paraná sempre teve a simpatia do presidente Ernesto Geisel, que era muito amigo do Ney Braga. E eu, como presidente do BADEP, tinha conseguido ser o maior cliente da Caixa Econômica Federal nos fundos que a Caixa administrava. O governador Emílio Gomes me disse que havia recebido um pedido de Brasília, do governo, convidando-me para a Caixa Econômica e ao Maurício para o BNH. Eu não queria sair de Curitiba – churrasco no fim de semana, aquelas coisas todas – mas fomos. Fiquei 6 anos, mas foi uma época boa, porque existiam no Brasil as Caixas Econômicas estaduais e, em 1970 – portanto 4 anos antes – essas caixas tinham sido unificadas como a Caixa Econômica Federal. Então, apesar de ser uma coisa centenária, era muito nova como unidade de comando. Nos dois primeiros anos, os meus depósitos cresciam 120% em termos reais. Não sabia o que fazer com o dinheiro, mas precisava administrá-lo bem. No Brasil, não existia financiamento nem para escolas, nem para hospitais. Então, eu propus uma lei, que foi aprovada no Congresso, criando o FAS – Fundo de Desenvolvimento de Investimento Social – que permitiu o financiamento de escolas e hospitais.
José Wille – Dando uma função mais social para a Caixa?
Karlos Rischbieter – Sim. Quer dizer, Caixa Econômica como banco social. O que está sendo revivido hoje, pois a Caixa está se rearrumando. Acho que o presidente que está lá é muito bom e ele tem essa visão da Caixa como banco social.
José Wille – Saindo da Caixa, em 1977, o senhor assumiu a presidência do Banco do Brasil. A Caixa Econômica e o Banco do Brasil, que são instituições bancárias funcionando como organismos estatais, conseguiam ter uma atuação eficiente?
Karlos Rischbieter – Deixe-me primeiro explicar como foi minha saída da Caixa. Houve uma briga do ministro da Indústria e Comércio com o Geisel, que o demitiu e convidou o presidente do Banco do Brasil, Ângelo Calmon de Sá, para o ministério. E o Simonsen, que era nosso ministro da Fazenda, me convidou para ir para o banco. Nem o Ângelo queria ir para o ministério, nem eu queria sair da Caixa, mas fomos. E quando me perguntavam “Como é a Caixa, como é o banco?”, eu dizia “A Caixa é uma motocicleta, porque você aperta, dá velocidade e ela mexe. É uma coisa ágil. O Banco do Brasil é um transatlântico: você mexe naquele leme e, uma semana depois, você nota que conseguiu mexer.”. Então, eram duas instituições muito diferentes uma da outra, mas as duas eram eficientes, tanto a Caixa, que dava um lucro extraordinário, quanto o Banco do Brasil, que deu lucro de 1 bilhão de dólares em 1978. Era uma lucratividade muito alta, porque a conjuntura toda era isso, e não por eu ser um gênio administrador. Mas a gente fazia as coisas direito e o banco realmente teve um período de ouro. Eu consegui mexer tanto na Caixa quanto no banco, reformando o funcionalismo dos dois órgãos. O ânimo dos funcionários foi muito grande, porque a gente fez plano de carreira e tudo mais. Então, a minha opinião sobre empresas estatais é sempre a mesma: não importa quem é o dono, você tem que ter regras. Quer dizer, o acionista pode ser privado ou pode ser o governo. Podem ser eficientes, mas não pode ter interferência. O que eu dizia: se disserem para fazer uma lei, que o Banco do Brasil pode quebrar, então mude tudo, mas não precisa mudar de comando, de acionista. Hoje é diferente, mas, na época, eram empresas muito eficientes. A Eletrobrás foi considerada pelo Banco Mundial, durante uns 4 ou 5 anos, a empresa de energia elétrica mais eficiente do mundo. Melhor que a EDF, da França…
José Wille – E de onde vem a diferença? O que faz algumas estatais terem uma má imagem pela sua administração?
Karlos Rischbieter – Bom, estamos falando de 20 anos atrás. O cenário mudou muito. Quando o estado brasileiro quebrou, no começo da década de 1980, isso se transferiu para as estatais. Realmente, é um envelhecimento das estruturas que leva à ineficiência.
José Wille – O senhor acha que houve um problema da economia como um todo e as estatais refletiram isso?
Karlos Rischbieter – Exatamente. Porque, na empresa privada, se as coisas vão mal, o acionista não recebe dividendos, se rebela e troca de direção; no estado, não é assim.
José Wille – No seu primeiro cargo em nível federal, que foi a Caixa Econômica, o senhor assumiu por indicação e força política do Paraná. Mas, depois, o senhor fez uma carreira por seus próprios méritos, na Caixa e no Banco do Brasil, chegando ao Ministério da Fazenda.
Karlos Rischbieter – Já a mudança da Caixa para o Banco do Brasil não foi mais por interferência paranaense. Havia um respeito muito forte pelo presidente Geisel, que não admitia nenhuma quebra de hierarquia.
José Wille – Quem mandava realmente era o presidente Geisel?
Karlos Rischbieter – Eu lembro que fazia uns 3 ou 4 meses que estava na Caixa e, em uma reunião de diretoria – que era toda nomeada pelo presidente da República, pela autarquia, porque é uma empresa pública – um diretor fez uma crítica a mim na frente de todo mundo: “Eu acho que o senhor não está agindo como devia”. Eu disse “Está interrompida a sessão da diretoria, mas fiquem, por favor, na casa, que eu reconvoco”. Peguei o telefone, liguei para o Simonsen e disse “Faça o favor de me arranjar um decreto do presidente, demitindo o fulano de tal e nomeando o fulano de tal como diretor…”. Ele disse “Mas, como assim?” e eu disse “…E precisa ser antes do almoço. Só diga para o presidente que é uma questão de disciplina”. Uma hora depois, eu estava com o decreto.
José Wille – E quando houve a reconvocação, já se tinha a notícia do afastamento?
Karlos Rischbieter – Chamei aquele diretor e disse “Você foi demitido”. Pus o médico do lado para ver se acontecia alguma coisa, mas ele se conformou, dizendo que tinha errado. Então, essa coisa absoluta – mundo e disciplina – era uma característica muito forte do alemão Geisel.
José Wille – Ele tinha um domínio completo do Ministério e também do Exército?
Karlos Rischbieter – Nós sabemos todos da história do que ele fez com o ministro Frota… Então, o ambiente era de pouca democracia. Lembro quando o Geisel entrou e começou a abertura. Os jornalistas diziam “Agora vai tudo virar uma maravilha” e eu dizia “Democracia não é felicidade, não é paraíso”. Porque é muito mais complicado. Na ditadura, você é a favor ou é contra, você não precisa pensar. Na democracia, você precisa contribuir, pensar, discutir… E é isso mesmo: nós estamos aí há 20 e tantos anos nos batendo para construir uma democracia nesse país, porque não é fácil.
José Wille – Qual era o papel do ministro Golbery no governo Geisel?
Karlos Rischbieter – De coordenador, de pacificador. Era ele quem conciliava opiniões e tudo o mais.
José Wille – Era quem fazia as articulações, mas não era quem mandava?
Karlos Rischbieter – Ele nunca se expôs a dizer “Isso tem que ser assim, assim, assim”. Uma pessoa fantástica, com uma estrutura intelectual maravilhosa e com um senso de humor muito engraçado.
José Wille – O senhor acredita que ele era maquiavélico realmente, como diziam, na política de articulação?
Karlos Rischbieter – Não, não! Acho que não era isso. Eu estou esperando o livro do Elio Gaspari, que está ameaçando de sair. Mas não era maquiavélico, não.
José Wille – Os conflitos militares dentro do governo eram percebidos?
Karlos Rischbieter – Sim, claro! Justamente porque se tinha a linha dura. E a linha Geisel era cautelosa, com a abertura gradual, mas, mesmo assim, ele teve que, em determinado momento, dar passos muito rápidos para evitar que essa abertura parasse. E um dos grandes ajudantes dentro da linha do Exército foi o Figueiredo, que desde o começo o apoiou. Ele era chefe do SNI e tinha muita força.
José Wille – Depois de terminado aquele período áureo da economia brasileira, o senhor foi para o Ministério da Fazenda, em 1980. O que foi este ministério para o senhor, naquele período?
Karlos Rischbieter – Quando o Figueiredo entrou, a ideia era de você conciliar as duas linhas de pensamento, chamadas – assim simplificando – os desenvolvimentistas e a turma da Sorbonne, que era a do Golbery. Voltaram ao governo o Andreazza e o Delfim, como representantes da turma – como dizia Mário Henrique – dos que gastam; e nós, representantes da turma que queria apertar. O Mário Henrique, que Deus o tenha, e o tem certamente, não tinha nenhum apetite pelo poder. Ele sempre foi um intelectual brilhante, inteligente. O Delfim, no entanto, voltou com muito apetite pelo poder. Então, a primeira vítima foi o próprio Mário, e eu fiquei um pouco sozinho no governo como representante dessa ala, embora o Camilo Pena tenha estado lá, me ajudando muito.
José Wille – E Delfim estava em uma área que não era a dele – a agricultura.
Karlos Rischbieter – Era agricultura. Claro que o conflito veio. Continuo amigo do Delfim até hoje, pois nossa divergência não foi pessoal, foi política. Eu dizia “Delfim, o mundo mudou, e o Brasil mudou, então você não pode fazer o que está fazendo, o que está propondo fazer”. E ele respondia “O Brasil vai ser sempre assim, pode passar Geisel, o Brasil vai ser o Brasil, nós temos que fazer as coisas na porrada”. Como eu discordava, fiz um relatório ao presidente, dizendo que estava muito preocupado, porque tinha tido a experiência no Banco do Brasil no contato com a banca internacional nesses dois anos, e os meus amigos me diziam para sair. Então, acabei saindo por decisão minha. O motivo final não vem ao caso, mas foi o vazamento desse relatório. Aí, fui ao Golbery e disse “Não adianta, é uma opinião completamente diferente da que o presidente da República aparentemente quer seguir”. Ele queria fazer o país crescer 15% e eu dizia que não dava.
José Wille – A inflação, naquela época, era de 20% ao ano, ainda relativamente baixa, mas começava a dar sinais de que ia estourar.
Karlos Rischbieter – Já em 1979 ela cresceu muito, porque o Delfim financiou a agricultura muito fortemente. A moeda expandiu-se fortemente, os meios de pagamento. Então, estava tudo marcado. E a inflação foi para 100% em 1980 e o Delfim fez aquela brincadeira de pré-fixar tanto o câmbio quanto a ORTN, e me fez assinar, ainda antes de eu sair.
José Wille – Ele tinha uma força de pressão grande, mesmo estando em outra área, como a agricultura?
Karlos Rischbieter – O Delfim é um homem de poder e conseguia convencer muito. Eu era um chato, porque dizia “Não tem dinheiro para isso” e o Delfim dizia “Nós vamos dar um jeito”. Se tivessem feito uma eleição Rischbieter X Delfim, eu perdia…
José Wille – Afinal, o senhor era o homem que tinha que fechar a torneira do dinheiro e daí veio a: o senhor queria segurar os gastos e a pressão toda era contrária.
Karlos Rischbieter – Em uma hora dessas, você tem que ter um presidente que te apoia 100%, senão não adianta. Se o presidente não diz para o ministro “Aqui, o que o Rischbieter diz está certo”, você acaba triturado. Então, eu consegui sair e, graças a Deus, só tive uma recaída de governo no começo do mandato do Sarney, quando voltei ao IBC e fiquei 5 meses e meio.
José Wille – Que impressão que ficou do presidente Figueiredo. O senhor tinha uma convivência próxima com ele.
Karlos Rischbieter – O presidente ia muito ao Banco do Brasil. Ele almoçava comigo, com o Simonsen e tudo mais. Eu o achava uma pessoa fantástica. O presidente Geisel era uma pessoa muito fechada. Já o Figueiredo era uma pessoa aberta, inteligente, que discutia… Eu dizia a ele “Tem que unificar as Forças Armadas: Exército, Marinha e Aeronáutica” e ele “Nós queremos, mas a Marinha não quer”. Então, eu mexia com ele “Muda o nome do país ou mexe na Federação, República Federativa do Brasil. Qualquer governador tem menos força que eu tenho aqui”. Era muito fácil discutir com ele. Depois que ele assumiu, não sei o que aconteceu, porque mudou. Acho que ele teve um choque quando recebeu o cargo. Não sei, não dá para explicar…
José Wille – Fazia parte da personalidade dele parecer uma pessoa mal-humorada? Ou ele mudou depois que assumiu a Presidência?
Karlos Rischbieter – Não, eu acho que ele mudou.
José Wille – O estresse do cargo pode ter ocasionado isso?
Karlos Rischbieter – Não sei, porque eu perguntei isso e não descobri. Eu disse “Ministro, o que está acontecendo com o nosso presidente?”. Ele disse “Doutor Rischbieter, eu não falo desse assunto”. Então, não tinha explicação.
José Wille – E ele, o presidente Figueiredo, parecia ter uma decepção muito grande com relação à classe política.
Karlos Rischbieter – Claro, claro, com todos! Era a fase ainda de dizer “Quem quiser acabar com a abertura, eu prendo e arrebento”. Depois, ele ficou com raiva das pessoas. Ainda o visitei umas 2 ou 3 vezes; também visitava a mãe dele e os Venturini, que eram meus amigos. Depois, parei de ir.
José Wille – O ambiente dos quartéis e a pouca experiência de relacionamento humano e de outras atividades dele podem ter influído nessa dificuldade de diálogo?
Karlos Rischbieter – Não, porque o Geisel também vinha da caserna, Médici vinha da caserna, e eles não mudaram de personalidade quando assumiram a Presidência. Eles continuaram o que sempre foram.
José Wille – O senhor tinha mais facilidade de entendimento quando ele era chefe do SNI do que depois, quando ele ocupou a Presidência. Foi o que pesou também para a sua saída do Ministério da Fazenda, além dos outros problemas?
Karlos Rischbieter – Sim. Eu comecei a ter uma opinião muito diferente da do Delfim, e fiz um relatório, que vazou. Foi aí que eu disse “Agora tem uma opinião do ministro da Fazenda, que não é acatada pelo governo, e eu não tenho outra coisa a fazer senão ir embora”. Porque isso é um conflito que não pode haver.
José Wille – As previsões pessimistas que o senhor tinha com a economia se confirmaram, no começo dos anos 80.
Karlos Rischbieter – Infelizmente, sim. Eu acho que, se o Brasil tivesse feito uma administração mais cautelosa, teriam sido menos traumáticos esses anos 80. Mas não sei, o mundo é assim… Como a guerra fiscal no Brasil… Você não gosta de guerra, mas é obrigado a entrar, porque todo mundo está nela, como é o caso hoje do nosso Paraná.
José Wille – Não teria como fugir, para trazer para cá mais empresas?
Karlos Rischbieter – Claro! Se não entrar na guerra, você perde.
José Wille – Depois, veio o seu retorno para a iniciativa privada. Como foi essa decisão?
Karlos Rischbieter – Eu tinha dois motivos para isto: primeiro, não queria mais ser executivo e, segundo, não queria me concentrar em uma empresa só. Como, durante esses anos todos, eu tive um leque muito grande de assuntos a resolver, então eu entrei. Por exemplo, estava na Fiat Lux, tratando de fósforo, e na Volvo, de caminhões pesados. No meio disso, tinha agência de propaganda, telecomunicações, geradoras…
José Wille – Mas era consultoria só em administração?
Karlos Rischbieter – Só consultoria de administração dessas empresas. E isso fez com que a minha saída do governo, para mim, fosse relativamente fácil, porque eu continuava a olhar um espectro relativamente largo de assuntos.
José Wille – Depois que se afastou do governo, o senhor teve uma posição muito discreta, mesmo depois de ser procurado muitas vezes pelos jornalistas para comentar a continuidade do governo.
Karlos Rischbieter – Sim, porque, estando lá, quando o cara se mete na conversa da gente, a gente fica muito bravo. Então, coitado, nem falei mal do Delfim! Para quê? Não ia adiantar mesmo. Mas eu me dediquei muito. Já tive um caso de doença na família: minha mulher adoeceu de câncer. Lutamos por 4 anos e conseguimos o que os médicos chamam de sobrevida. Quem tratava dela era um médico formidável, dr. Ricardo Pasquini, e nós fundamos a Associação Alírio Pfiffer, que ajuda o Centro de Transplantes de Medula Óssea. Temos nesta associação o Jayme Canet, o Sérgio Prosdócimo, o Atilano, o Belmiro e o Hilton Trevisan.
José Wille – E o senhor, quando se formou, logo no início da carreira, já havia feito o planejamento da estrutura do HC.
Karlos Rischbieter – Eu trabalhei enquanto estudante de Engenharia no escritório que construiu o Hospital de Clínicas. Fiz o cálculo e o desenho da estrutura de concreto e desenhei todas as duas áreas do hospital, todos os andares. Dava qualquer coisa como 243 cruzeiros por prancha. Era muito dinheiro!
José Wille – O senhor falou da sua primeira esposa, dona Fanchette. Ela teve um papel muito importante no auxílio que prestou ao governador Jaime Lerner, porque sempre fez parte da equipe.
Karlos Rischbieter – Sim, a Fanchette entrou na Prefeitura como funcionária, em 1951, se não me engano, e trabalhou lá com algumas interrupções. Quando ela foi comigo para a Alemanha, licenciou-se. Ela saiu da Prefeitura ao se aposentar, quando entrou o PMDB. Mas voltou à Prefeitura com o Jaime, e praticamente morreu no trabalho, pois trabalhou até uma semana antes de morrer. Era uma mulher formidável e o Jaime a respeitava enormemente.
José Wille – Em 1980, quando o senhor voltou ao Paraná como consultor, também informalmente, teve sempre participação, pois prestou consultoria ao governador Jaime Lerner.
Karlos Rischbieter – Com o Jaime, sim. Eu o conheci profissionalmente na época da Cidade Industrial, o acompanhei muito e faço o que posso por esse homem que respeito, que acho inovador. Justamente, com essa guerra fiscal, acirrada hoje de novo, acho que o Jaime fez muito bem em fazer uma coisa que só pode prejudicá-lo. Quer dizer, isso pode ser usado contra ele, mas ele está colocando os alicerces para um Paraná diferente para daqui a 5 anos.
José Wille – O senhor avaliaria este como um momento de mudança de perfil da economia do Paraná?
Karlos Rischbieter – Exatamente. Um momento difícil, em que se esgotou mais uma vez um modelo, e que, com sacrifício de arrecadação, está se implantando um novo modelo. E isso leva tempo para amadurecer.
José Wille – Como o senhor analisa, hoje, o potencial de desenvolvimento e de afirmação no cenário nacional do Paraná, nessa nova perspectiva?
Karlos Rischbieter – Eu acho que muito forte, pois nós temos uma agricultura bastante eficiente. E, com a vinda dessas montadoras e do que gira em torno delas, vamos passar por essas projeções – não feitas por nós – de que o Paraná terá um salto na participação do PIB, por exemplo. Isso é muito importante.
José Wille – Os efeitos colaterais, que são criticados, que isso possa representar também uma aglomeração: acontecerá com Curitiba, por exemplo, o que aconteceu com a cidade de São Paulo, que trouxe tanta gente de outras regiões e provocou problemas sociais e violência?
Karlos Rischbieter – Quando começou a se dizer que Curitiba era essa maravilha, teve muita gente dizendo “Mas não devia dizer, porque vêm esse nordestinos para cá”. Mas nós não podemos fechar a cidade, como as cidades chinesas, onde você precisava de passaporte para mudar de uma cidade para a outra, pois o Brasil é aberto. E não é porque a gente tem medo que a qualidade de vida piore que a gente vai brecar o desenvolvimento do estado. Temos que lidar com este problema quando ele surgir. Prevenir, sim. Eu acho que o Cassio Taniguchi é uma pessoa talhada para prevenir o que possa ser prevenido nisso.
José Wille – Qual foi sua participação nessa fase de conquista de montadoras e indústrias para o Paraná, mesmo não estando no governo formalmente?
Karlos Rischbieter – As pessoas dizem que eu fui o responsável, mas não participei de nada, com exceção de duas gravações que eu fiz em um vídeo. Em uma delas, eu estava tentando trazer a Renault para o Paraná, em 1973. Almocei com o presidente da Renault, em Paris. Mas a montadora não veio. E eu falei em francês e o pessoal disse que eu fui muito bem, mas todo mundo falava francês – o Jaime Lerner, inclusive, fala muito bem. Na outra, foi para a Audi, que eu gravei em alemão. Daí, o Jaime disse “Tem uma outra” e eu disse “Francês e alemão? Se você quiser coreano, me avise pelo menos 24 horas antes, para eu estudar um pouquinho”. Mas isso aí foi o Jaime Lerner, 90%, e a equipe dele que fizeram. E ainda falam mal do pessoal, nos comércios…
José Wille – A força que dá o governo federal para a instalação dessas empresas em outras regiões, como o Nordeste – o senhor acha que cria uma desvantagem ou o Paraná vai continuar conseguindo expansão?
Karlos Rischbieter – Eu acho que a grande decisão dos investidores não é por incentivos puros. Quer dizer, se o Paraná desse os incentivos e não tivesse qualidade de vida, mão-de-obra, essa coisa toda que tem aqui, eles não viriam. Então, eu acho que o Nordeste precisa de incentivos. Pessoalmente, acho que seja muito bom fazer um esforço de uma agricultura, turismo forte…
José Wille – O Paraná teria ainda que potencial nesse crescimento? Consolidou-se como polo e isso já cria um efeito de atração de outras empresas?
Karlos Rischbieter – Eu acho que não precisa mais fazer um esforço grande para trazer investimentos grandes. Agora, se tem que acompanhar o que vem em torno disso, porque não é só “o direto de fornecedores”. É um monte de coisas que vem atrás disso – informática, enfim, tudo. E serviços, isso traz melhoria, porque é cliente que vem para todas as áreas. Então, o indireto é muito grande.
José Wille – Apesar de tudo o que o senhor enfrentou, o senhor acha que esse país tem jeito do ponto de vista econômico, que é importante para todo o social?
Karlos Rischbieter – Eu acho que sim. Se olharmos para trás, o problema de países em desenvolvimento como o Brasil não podem ser comparados com os Estados Unidos ou com a Europa. Podem ser comparados com o México, com a Argentina, com a África, a Índia… Então, o Brasil não está mal, com exceção da desigualdade e da miséria. Mas essa nós vamos resolver também. De alguma forma, vai entrar na consciência do país, que vai ver que, se não resolver isso, tem um momento que pra tudo. Então, acho que é isso que falta – o resto, nós já temos tudo. Temos capacidade, temos inteligência, e vamos resolver isso também.
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